As cidades do futuro e seus carros

No primeiro modelo de cidade 100% inteligente e sustentável, os carros não serão mais movidos a gasolina ou a qualquer outro tipo de combustível fóssil. Em Fujisawa, cidade japonesa distante cerca de 50 quilômetros de Tóquio e que se propôs a ser o primeiro modelo de cidade ideal do mundo, os postos de combustível darão lugar aos eletropostos, locais próprios para a recarga de carros elétricos e que, no modelo japonês, serão abastecidos exclusivamente a partir de fontes renováveis de energia, em especial a fotovoltaica. À primeira vista o projeto parece futurista e distante, mas a verdade é que ele já está em andamento – terá seu “go live” oficial em 2018 – e privilegia tecnologias que, em grande parte, já estão disponíveis.
Quando os primeiros protótipos de automóveis foram desenvolvidos em meados do século XVII, era difícil imaginar o potencial dessas máquinas e a importância que elas tomariam em nosso cotidiano poucos séculos depois. Hoje são mais de 1 bilhão de veículos leves (carros e pequenos utilitários) circulando em todo o mundo diariamente, sendo que projeções indicam que até 2050 esse número superará os 2 bilhões. Nos últimos anos, a crescente importância dos automóveis em nossos deslocamentos diários passou a ser acompanhada pelo desenvolvimento de modelos alinhados às novas exigências ambientais e conectados a sistemas inteligentes de bordo, como mostrou artigo de Giovanni Pozzoli publicado no Valor de 12/05.
Um dos berços da indústria automobilística, a Alemanha é um dos países que atualmente lidera o processo de desenvolvimento de tecnologias disruptivas e sistemas aplicados aos novos modelos de automóveis. O que serve de base para isso é uma plataforma exclusiva de testes, já em operação naquele país, que avalia mais de quarenta novas tecnologias aplicadas em componentes como direção, chassi, carroceria e powertrain (motor e demais partes associadas à transmissão de potência do veículo). Desenvolvidas isoladamente, as novas tecnologias podem ser examinadas conjuntamente dentro desse ambiente real de testes, o que permite avaliações completas e a aceleração do processo de desenvolvimento e maturação das tecnologias.
Um ponto interessante é que os sistemas e componentes avaliados buscam aliar ganhos tanto em sustentabilidade quanto em mobilidade urbana. Por exemplo, algumas das tecnologias em teste são novos sistemas de direção elétrica que, em comparação aos sistemas hidráulicos convencionais, permitem uma economia de combustível de até meio litro por 100 quilômetros rodados. Essa solução é também um dos pilares centrais do desenvolvimento de carros autônomos, a próxima grande inovação da indústria automotiva e ponto fundamental para a redução dos acidentes de trânsito. Estudos indicam que 90% dos acidentes registrados atualmente são decorrentes de desatenção ou falhas do condutor.
O futuro se mostra promissor e empresas como Google e Tesla, além das tradicionais montadoras, começam a se posicionar como as grandes líderes da transformação da indústria automotiva nos próximos anos. Projeção da consultoria Ernest & Young indica que em 2025 os carros autônomos representarão 4% do mercado global, saltando para impressionantes 75% somente dez anos depois. Naturalmente, isso trará enormes impactos à relação do motorista com o carro. Ainda é incrível imaginar, por exemplo, dirigir sem precisar realizar ações no volante ou executando tarefas até então impensáveis para o motorista, como dedicar completamente a atenção ao smartphone ou atualizar-se sobre as notícias do dia sem precisar manter o foco na pista à frente e no movimento dos carros ao redor – passando do hands-free para o mind-free.
Por outro lado, as inovações em andamento nos colocarão diante de novos desafios e modelos que exigirão esforços conjuntos da indústria, governos e órgãos competentes, a fim de criar as bases necessárias para a adoção em grande escala das novas gerações de automóveis. Para referência, já existem hoje carros não autônomos equipados com câmeras e sensores capazes de identificar e ler as sinalizações de trânsito, o que torna inadmissível a presença de semáforos inoperantes ou de faixas de pedestres desgastadas, por exemplo.
Se para nações muito avançadas em infraestrutura estas são questões de pequena a média relevância, em países como o Brasil são pontos essenciais, inclusive para determinar a entrada dos veículos autônomos no mercado doméstico e estimular o desenvolvimento tecnológico da indústria automotiva, em alinhamento com outros mercados.
Pensamento similar se aplica à introdução dos carros híbridos e elétricos. Tendo, entre outros aspectos, o intuito de reduzir o consumo de combustíveis fósseis, esses novos modelos de automóveis tendem a não ter tanto apelo em mercados consumidores situados em regiões cuja matriz energética é composta majoritariamente por termelétricas alimentadas a carvão, óleo e gás. Sob esse ângulo, o Brasil se encontra em uma posição favorável, de modo que a adoção de veículos híbridos e elétricos fará sentido num país com forte geração hidrelétrica e onde a energia eólica e fotovoltaica apresentam enorme potencial de desenvolvimento. Contudo, ainda serão necessários investimentos locais em sistemas e tecnologias que levem mais segurança e flexibilidade ao grid, evitando que a propagação dos eletropostos resulte em uma sobrecarga do sistema elétrico.
Certas discussões relacionadas à infraestrutura das nações ainda precisam ser estimuladas a fim de estabelecer as bases para o desenvolvimento da indústria automotiva nos próximos anos. Mas de modo geral, o mundo já começa a tatear algumas das principais tecnologias e inovações embarcadas nos carros do futuro. Fujisawa é o maior exemplo de que o amanhã está bem mais próximo do que poderíamos imaginar.

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