América corporativa lidera luta antirracismo

Enquanto o presidente americano Donald Trump hesita em adotar um posicionamento duro e claro contra o discurso e as práticas de ódio e intolerância de supremacistas brancos em Charlottesville, o verdadeiro centro do poder nos Estados Unidos, a chamada “corporate America”, decidiu tomar outro rumo.

A consequência mais visível da diferença de visão talvez seja a decisão de Trump de dissolver dois conselhos empresariais que o assessoravam, diante da ameaça de debandada de executivos.

Houve ainda medidas de gigantes da internet, como Facebook, Google e Airbnb, que se basearam em políticas internas para cancelar contas de usuários ou derrubar sites, a fim de impedir que neonazistas usem suas plataformas para propagandear, financiar ou facilitar a intolerância, como mostrou artigo de Fernando Torres, pubicado no Valor de 18/08.

Antes dessas ações, há pouco mais de um ano, mas também motivada por eventos de violência ligados a questões raciais, surgiu o embrião da iniciativa batizada de CEO Action para Diversidade e Inclusão. Lançado em junho com apoio de executivos-chefe de 150 das 500 maiores empresas dos EUA, o programa conta hoje com suporte de representantes de quase 300 dessas empresas, incluindo nomes como Wal-Mart, AT&T, IBM, Bank of America e Home Depot.

As empresas que participam do CEO Action precisam se comprometer com três iniciativas: tornar o ambiente de trabalho aberto a discussões sobre diversidade e inclusão; dar treinamento para reduzir o “viés inconsciente”, que resulta em preconceito nas relações pessoais e profissionais; e compartilhar experiências que tiverem implementado em relação aos temas.

O site ceoaction.com traz informações sobre o que grandes empresas americanas já fizeram a respeito de racismo no ambiente de trabalho, inclusão de pessoas com deficiência, iniciativas ligadas a LGBTs ou políticas de gênero, por exemplo. É possível fazer filtros por empresa, por setor e por tipo de experiência.

O programa foi idealizado pelo presidente da unidade americana da PwC, Tim Ryan. Pouco depois de assumir o comando da firma de auditoria e consultoria, em julho de 2016, cinco policiais foram mortos por um atirador em Dallas, num incidente visto como vingança pelo assassinato de jovens negros por policiais nos Estados de Minnesota e Louisiana.

Ryan, um dos quatro irmãos de uma família irlandesa de Boston, e com seis filhos, concluiu que precisava agir. “Mais do que se preocupar com formação acadêmica, minha família sempre me ensinou três coisas: a trabalhar duro, ser honesto e respeitar o próximo”, disse, em entrevista ao Valor. Para ele, a PwC já tinha boas políticas na área. Mas podia fazer mais.

Tudo começou com a dedicação de um dia inteiro apenas para falar sobre questões raciais dentro do escritório. “A gente não sabia coisas básicas como, por exemplo, se devíamos usar o termo preto (black) ou afro americano”, exemplifica Ryan. Foi um exercício de ouvir o outro. Segundo ele, os funcionários foram expostos à realidade de colegas que, às vezes, podem parecer distraídos, quando na verdade estão preocupados porque o filho está sofrendo discriminação na escola. Um alto funcionário contou que via seu terno chique e alinhado como uma capa protetora. Mas que, sem a “capa”, de camiseta e com um boné na cabeça, se sentia em perigo caminhando nas ruas. “Deve ter havido mais lágrimas na PwC naquele dia do que em toda a história centenária da firma.”

A escolha de atrair executivos-chefe para a empreitada tem uma explicação: “CEOs são especialistas em fazer as coisas acontecer.”

Um dos primeiros executivos a abraçar a causa de Ryan foi David Taylor, presidente da Procter & Gamble, que ajudou a desenhar o CEO Action. Ryan contou que, a cada reunião de negócios entre dezembro e maio, reservava alguns minutos para falar sobre a iniciativa. Até as principais concorrentes Deloitte, EY e KPMG foram procuradas. E também aderiram.

No começo, alguns executivos hesitavam, queriam saber quem mais estava aderindo. Foi no fim do primeiro trimestre que as assinaturas se multiplicaram.

Metas numéricas não foram incluídas no programa, segundo Ryan, porque as adesões seriam menores. Os executivos, diz ele, se mostraram desconfortáveis em definir objetivos sem antes saber como seria possível alcançá-los.

Na experiência pessoal, Ryan diz que seis anos antes de virar presidente da PwC americana, ocupou um cargo na firma que tinha 20 subordinados diretos, todos homens brancos. Deixou o cargo com nove que não se encaixam nessa descrição. Seus três principais auxiliares são hoje uma latina, que lidera a área de auditoria, um negro que não fez carreira na firma (o que também é diversidade entre as Big Four) à frente dos serviços tributários e um francês negro comandando a divisão de consultoria.

Para Ryan, pessoas com experiências e habilidades diferentes tendem a encontrar soluções melhores do que um grupo homogêneo, com as mesmas ideias, o que teria relação direta com os resultados corporativos. “As empresas terão que aderir a esse caminho inclusivo por uma de três razões: porque é a coisa certa, porque se tornarão irrelevantes no mercado [se o não fizerem] ou porque haverá uma regulação.”

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