Alguns aliados europeus da Ucrânia estão cada vez mais céticos de que seu exército conseguirá romper as defesas inimigas neste ano, uma vez que as forças da Rússia tiveram tempo de se reforçar para a ofensiva que se aproxima.
Agora, os aliados de Kiev estão contendo expectativas e considerando a necessidade de levar a guerra para além de 2024, segundo autoridades europeias.
Autoridades americanas tinham sua própria avaliação pessimista do cenário seis a oito semanas atrás, segundo documentos sigilosos vazados há duas semanas que provocaram a fúria de Kiev. As preocupações manifestadas nos documentos continuam a perturbar alguns aliados da Ucrânia, apesar da chegada de bilhões de dólares em munição e armas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos EUA).
Embora seja esperada uma ofensiva ucraniana rumo à cidade de Melitopol, no sul, para dividir as forças russas, algumas autoridades europeias manifestam atualmente ceticismo de que isso possa ser alcançado neste ano. Em vez disso, uma meta mais realista é vista agora como um avanço de 30 km, mais ou menos, que poria a artilharia de maior capacidade da Ucrânia no âmbito das linhas de suprimentos russas e criaria condições para uma investida mais profunda em 2024, disse uma das autoridades.
Os aliados precisam se empenhar em ampliar sua capacidade de produção e o respaldo necessário para sustentar esses esforços, acrescentou a autoridade. Mesmo uma ofensiva menor provavelmente custará milhares de vidas e muita munição e equipamentos, devido às defesas sobrepostas da Rússia de campos minados, trincheiras e pirâmides antitanques de concreto construídas durante os meses de inverno europeu.
As avaliações sigilosas dos EUA destacavam preocupação com os pontos fracos da Ucrânia, incluindo gerar e treinar o efetivo necessário para um ataque tão complexo de forças conjuntas e um estoque baixo de mísseis de defesa antiaérea para protegê-las. O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, desmentiu esse pessimismo em público na semana passada.
Austin disse que Kiev continua confiante do sucesso na contraofensiva após uma reunião em Washington com seu colega ucraniano Oleksii Reznikov. Os EUA continuarão a fornecer “capacidade de assistência em segurança” para alcançá-lo, afirmou ele.
Reznikov defendeu que os EUA forneçam os aviões de combate F-15 ou F-16, o que Washington reluta em fazer. Autoridades ucranianas e analistas militares ocidentais já tinham alertado no fim de 2022 que a Ucrânia estava ficando com estoques muito baixos de mísseis antiaéreos e que caças poderiam ajudar a cobrir essa lacuna.
A esperada ofensiva da Ucrânia, prevista para meados de maio, consistirá de operações que partirão de várias direções, incluindo
potenciais artifícios para desorientar os mecanismos de detecção inimigos, segundo autoridades de defesa europeias. Uma delas disse que a ofensiva não será necessariamente o principal elemento da operação, uma vez que a Rússia tem se preparado para o ataque.
Analistas ucranianos preveem um início posterior, quando novos soldados e equipamentos estarão integrados para possibilitar o que acreditam que possa ser a melhor e talvez a última chance de derrotar as forças russas. O momento e a direção da ofensiva são segredos rigidamente guardados.
Uma segunda grande ofensiva exigirá novas entregas de grande escala de armas e munição ocidentais, e de financiamento. Haverá o risco de que isso esbarre em oposição política nos países, bem como em limitações de capacidade.
“Nenhum dos exércitos é o que era”, diz Dara Massicot, especialista no aparato militar russo do instituto de pesquisa Rand Corporation. Ela prevê uma guerra de atrito de alto custo para os dois lados
Desde que as avaliações dos EUA, os aliados da Ucrânia trabalham para resolver algumas das questões, como intensificar a produção e o fornecimento de bombas de artilharia de 155 mm. Também começaram a entregar algumas bombas de maior alcance orientadas por GPS.
Vários países europeus têm conclamado outros, aumentar e acelerar os suprimentos. Mesmo assim, o problema do ponto de vista da
Ucrânia é o de que os EUA e alguns de seus aliados não deram consequências à sua retórica “do que for necessário” para evitar um impasse na prática. Várias nações têm conclamado os aliados a acelerar seu apoio nos últimos meses.
“Precisamos de menos atenção a ‘vazamentos’ e mais armas de longo alcance a fim de encerrar a guerra corretamente”, tuitou o porta-voz presidencial da Ucrânia, Mikhail Podolyak. Ao contrário dos EUA, a Ucrânia desqualificou os documentos vazados como falsos. No dia 7 de abril, Podolyak disse que os documentos se “basearam em um grande volume de informações fictícias”.
Os documentos dizem que as chances da Ucrânia não são ótimas, “mas, ao mesmo tempo Austin está dizendo que eles nos deram tudo o que precisamos”, disse Mykola Bielieskov, pesquisador do instituto de análise e pesquisa Instituto Nacional de Estudos estratégicos, do governo ucraniano.
Essa discrepância nos leva a algumas conclusões um tanto desagradáveis”. Isso poderá possibilitar a Ucrânia reduzir a movimentação de munição e reservas essenciais para a defesa russa, eliminando a necessidade de combater primeiro em 30 km de fortificações defensivas. O problema é que, basicamente, a Ucrânia e os EUA têm prioridades diferentes, disse Bielieskov. “A guerra eliminou a Rússia como uma ameaça de grande potência pelo próximo período de vários anos, portanto os interesses dos EUA e os ucranianos não estão necessariamente alinhados.”
Os EUA retiveram os mísseis por temer que pudessem ser usados contra alvos localizados na Rússia. Autoridades temem que isso expandiria a guerra e alimentaria a propaganda do Kremlin de que a Rússia não está invadindo a Ucrânia, mas se defendendo da Otan.
Os EUA e outros governos subestimaram o potencial ucraniano em várias ocasiões, inclusive em uma previsão dos EUA feita no início da guerra, em fevereiro passado, de que Kiev poderia sucumbir ao controle da Rússia dentro de 72 horas.
Houve também previsões de um impasse no terceiro trimestre do ano passado, pouco antes dos rompimentos de defesas inimigas alcançados pelos ucranianos. Essa tendência parece estar ocorrendo de novo, disse Bielieskov. Mas, se a Ucrânia ficar sem defesas antiaéreas e ficar exposta à força aérea russa, ainda grande e de bom potencial, “isso seria nosso pesadelo”, disse ele