Além do debate sobre “Propaganda do Terror”

O auditório lotou. O objetivo era bem claro: como discutir propaganda e terror, em diferentes versões? Mais que isso: como conviver com interpretações conflitantes sobre o vínculo dessas duas palavras? Foi exatamente a mistura que gerou tanto interesse no debate da noite de ontem, com as presenças dos professores Heni Ozi Cukier, João Matta, Leão Serva e Pedro de Santi da ESPM . Com um debatedor de notória vivência no tema, o jornalista Guga Chacra. A mediação do debate ficou por conta do professor Ismael Rocha.

“Não é possível mais ganhar guerra nenhuma no mundo de hoje, só com a força, é preciso usar o discurso certo”. Com esta frase o professor Heni mostrou que o “discurso” de horror do Estado Islâmico tem duas “funções”. Primeiro, aterrorizar seus inimigos e, depois, “atrair novas adesões” para a causa. Heni descreveu a “estrutura de mídia” usada pelos radicais islâmicos, com seus vídeos de horror, como instrumento de propaganda com função definida e eficiente.

O professor João Matta tomou outro caminho e descreveu como na Londres de agosto de 2011 era até possível comemorar o casamento e andar na rua ou metrô sem estar assustado, desde que “não se tivesse assistido tv”. O medo vinha da tela. Depois de saber dos atentados toda a paz desaparecia. A exposição de poder do terror é que constrói a sua eficiência, como mostrou Matta.

A má compreensão da Primavera Árabe, para o professor Leão Serva, foi corte importante na compreensão equivocada do terrorismo de origem islâmica radical. Muita gente entendeu aquelas manifestações como uma luta entre democratas versus ditaduras sanguinárias. A realidade era bem mais complexa do que isso. Depois, Serva mostrou que , muitas vezes, o terrorismo é sinal de fraqueza e não de força. Por último o experiente jornalista descreveu como a mídia pode se tornar “refém do terrorismo” pela obrigação de noticia-lo. Mas, ponderou Serva, as imagens de decapitação na rede potencializam essa “crônica da fraqueza” do terrorismo, emprestam força que, na verdade, “sinalizam bastante fraqueza”.

O enforcamento de Saddam Hussein talvez tenha sido “inspirador” para o Estado Islâmico, como notou o professor Pedro de Santi. Inspirador porque alguém filmou o enforcamento do ditador e o vídeo se tornou viral poderoso. Pode ter nascido aí a “sedução pelo terror”, que há tanto tempo atrai tanto gente para assistir uma execução, como na Londres até quase 1900. Pedro notou que em nosso mundo “embaralhado de representações, sem referência de realidade, a visão da morte real tem um poder único”. O poder da propaganda do terror, para o professor Pedro, “reside na capacidade de atrair esta dimensão mórbida inconfessável em nós”.

A fala do jornalista Guga Chacra botou o dedo na ferida: até agora o Estado Islâmico cometeu zero atentados contra o Ocidente Nos EUA, em 2014, não ocorreu nenhuma morte por terrorismo. Chacra criticou, com ênfase, a generalização sobre o mundo mulçumano como reduto de “discursos fanáticos”. O jornalista mostrou como o terrorismo de origem islâmica foi muito grave no Ocidente dez anos atrás. Não é mais. Guga respondeu com idêntica ênfase a pergunta do moderador, professor Ismael Rocha sobre “quem financia o terror”? O jornalista mostrou que, hoje, o que menos o Estado islâmico precisa é de “financiamento externo”. Muitas formas de crimes financiam este radicalismo, desde o contrabando de petróleo, a pura extorsão ou sequestro praticados nos territórios que ocupa. Chacra foi taxativo sobre o controle do Estado Islâmico: ou os inimigos dos radicais “retiram o território que eles ocupam ou a fonte de financiamento não seca”. Boa percepção de uma dramática realidade.

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