Na Suíça, em vez de receber por suas poupanças, grandes correntistas precisam pagar para deixar o dinheiro aplicado nos bancos. Dos empréstimos para pequenas empresas aos correntistas de bancos, de hipotecas de casas a empréstimos para pagar carros, o mundo dos juros negativos mudou o cenário comercial de alguns países europeus e inverteu a relação entre credor e devedor. Quem empresta não recebe mais pelo risco de dar dinheiro. Quem só poupa, corre o risco de sair perdendo.
Na Suíça, por exemplo, os clientes do banco BAS receberam no fim do ano passado uma carta surpreendente. Em vez de ganharem dinheiro com taxas de juros ao depositarem suas economias na instituição, eles perderiam. Na prática, o correntista precisa pagar para deixar o dinheiro no banco, como mostrou artigo de Jamil Chade, publicado no Estadão de 31/07.
Depois que o Banco Central local passou a praticar taxas negativas, a instituição financeira informou aos seus correntistas com mais de 100 mil francos suíços que passaria a retirar de suas contas 0,125% ao ano. Para as empresas, a taxa começa a valer a partir de 1 milhão de francos. Em todas as outras contas, incluindo a poupança, a taxa de juros é zero. A carta ainda sugeria aos clientes: procurem seus gerentes para avaliar alternativas.
Outros bancos, não querendo anunciar a novidade dessa forma aos clientes, passaram a criar taxas de serviços que, na prática, servem para compensar os juros negativos.
O UBS indicou em maio que poderia também introduzir taxas negativas para seus clientes “ultrarricos”, aqueles com ativos acima de US$ 10 milhões. Aos grandes clientes comerciais, a taxa negativa já foi instaurada pelo maior banco da Suíça desde 2015, com um “imposto” de 0,75% sobre o valor dos ativos depositados. O mesmo caminho foi adotado pelo banco Lombard Odier.
As consequências já começam a ser notadas. No país dos bancos, as instituições registraram um aumento nos saques dos correntistas que não estavam dispostos a pagar. No país, circulam notas de mil francos, o que facilita a retirada de grandes somas por correntistas sem fazer volume. Os clientes passaram a alugar cofres para guardar o dinheiro vivo. No ano passado, chegou a faltar cofres nos bancos do país. O Banco Central também admitiu que, desde 2012, a circulação de notas de mil francos aumentou 40%.
Outro levantamento da consultoria Capgemini aponta que os clientes de alta renda na Suíça (com ativos acima de US$ 1 milhão) estão diversificando a forma de guardar suas fortunas por conta das taxas negativas. Desse grupo de milionários, apenas 21% mantêm seus ativos em dinheiro nos bancos. No ano passado, o número era de 28%. “Como não estão recebendo nenhum juro por esses depósitos, esses correntistas estão procurando alternativas para investimentos”, diz o relatório da Capgemini.
Outra consequência tem sido no mercado imobiliário. Com a taxa negativa fixada pelo Banco Central na Suíça, bancos têm feito empréstimos a clientes que queiram adquirir uma casa a taxas que podem chegar a 0,8% ao ano, dependendo das condições propostas e do pagamento inicial. Para uma hipoteca de dez anos, por exemplo, a média de juros é de 1,5%.
Agências imobiliárias usam justamente esse “dinheiro barato” para convencer clientes a sair às compras. E ainda sugerem: não antecipem o pagamento de suas dívidas.
Na pitoresca cidade de Vevey, os conselheiros do escritório da Imobiliária Naef, uma das maiores da Suíça, insistem que esse é o momento para comprar imóveis. “As taxas de juros estão em níveis historicamente baixos”, afirma a empresa. Um dos conselheiros indicou que, pela lei, uma entrada de 20% é exigida para qualquer compra. “Mas, depois disso, é de interesse fixar uma taxa de juros nesse momento em que elas estão em seu patamar mais baixo”. Em reação, os bancos têm se mobilizado para tentar limitar a duração de alguns dos empréstimos.
As novas condições de empréstimo levaram a professora primária Stephanie Birchmeier a optar por abandonar um aluguel e se aventurar na compra de um apartamento de 65 metros quadrados no bairro de Servette, em Genebra. Com 32 anos, ela não tinha planos de comprar um imóvel neste momento. Mas, diante dos juros baixos e da possibilidade de não ter de acelerar pagamentos, optou pela aquisição.
“Pago o mínimo possível por mês na hipoteca. Não há motivo para tentar se desfazer imediatamente da dívida. É quase como pegar algo emprestado e não ter de pagar ou pagar muito pouco por isso”, explicou. Ela paga 1,1% em juros.
Dinheiro de volta. Na Dinamarca, essa realidade de juros negativos acabou criando uma outra situação inusitada. Famílias que haviam pego empréstimos a taxas variadas acabaram recebendo dinheiro de volta em 2015 por conta dos juros negativos. No total, 758 clientes do Realkredit acabaram recebendo um desconto no valor que precisariam pagar mensalmente em suas hipotecas.
Na Holanda, em abril, a decisão de uma agência reguladora de produtos financeiros, a Kifid, estipulou que bancos teriam de pagar retroativamente aos clientes que tinham hipotecas pelo fato de que não acompanharam a queda de taxas de juros.
O risco, porém, tem sido o de um aquecimento exagerado do mercado imobiliário, criando as condições para uma eventual bolha. Os fundos de pensão na Suíça também têm aplicado seus recursos no setor de construção, na esperança de não perder dinheiro. Com 40 bilhões de francos em liquidez, os fundos acumulam ativos de 730 bilhões de francos no país. Sem um investimento que gere algum tipo de ganho, as pensões poderiam perder cerca de 300 milhões de francos em apenas um ano.
O crédito ao consumo também viu suas taxas despencarem. Por lei, as autoridades em Berna reduziram o teto máximo de juros de 15% para 10% ao ano. Mas alguns bancos chegam a praticar 4,9%.
Na Atra Automobiles, em Genebra, leasings são propostos para marcas como BMW a uma taxa de 5,5% de juros ao ano. Segundo a concessionária, essa é a taxa mais baixa em anos. “Normalmente, a taxa era de 8% ou 9%”, confirmou um dos vendedores.