A nova tarefa do livro-objeto. Basta a pintura na parede, não precisa mais estante

Era apenas uma mostra de decoração. E a arquiteta Ana Lúcia Jucá, no Rio, compôs um ambiente usando pintura de artista plástico para simular uma biblioteca e ocupou sete metros de uma das paredes do evento. Foi um sucesso. Para o Globo ela foi objetiva: “não precisa mais ter livro em casa, eles estão no iPad”. E propôs dar um uso derradeiro para esses velhos objetos: “aconchego à decoração”.
Apesar da consternação de alguns, as idéias de Ana Lúcia apontam para profunda mudança que toma conta do mercado editorial. Não é mais a migração de acervos para o digital ou a mudança nos hábitos de leitura, mas sim a atualização dos fetiches despertados pelas edições em papel. Altas estantes sempre representaram status e demonstrações de poder dos proprietários. Estes valores foram transportados para megalivrarias, primeiro nos EUA e depois no mundo todo. Ou seja, um local onde é possível passar o dia lendo trechos de obras, tomando café, pequenos lanches, e até comprando livros e uma série de outros itens, de preferência com descontos.
O Brasil tem trajetória própria nesta história. A nova filial de cadeias de livros inaugurada em shopping de alto luxo no Rio não contempla o acesso dos atendentes ao topo das belas estantes que tomam todo o pé direito da loja. É literalmente só enfeite. Os dados do Valor Econômico, edição de 19 de maio, pg 15, mostram que grandes grupos identificaram a carência de espaços de convivência e a atenderam. Ao mesmo tempo, conforme a matéria assinada por José Godoy, a última pesquisa do Instituto do Pró-Livro, de 2012, confirmou que o País tem hoje média inferior a duas obras lidas por habitante a cada ano, uma das mais baixas da série histórica.
O mercado editorial tomou esse caminho no mundo todo. A alemã Tashen, muito bem sucedida cadeia de livrarias, tem suas lojas tomadas por catálogos de livros-objeto que estão cada vez mais no entroncamento entre arte e decoração. Hoteis foram pelo mesmo caminho. Em Nova York, o Library Hotel, na Madison, tem interesse pelo tema a partir do nome. Cada andar tem diferentes estantes temáticas, de decoração, e é possível fazer reserva a partir do interesse literário do hóspede. Estão disponíveis espaços de discussão perto dos livros. Há também o “cantinho do escritor”, se algum hóspede ouvir o chamado da vocação literária., Vários concorrentes não só nos EUA foram pelo mesmo caminho. Hoteis com o mesmo apelo já apareceram em várias capitais européias.
No Rio, a livraria com estantes de livros inacessíveis oferece serviço especial: os usuários de seu sistema de valet contam com mini estante especial, móvel, para usar enquanto aguardam a chegada de seus carros.
Será que o livro mudou de função ou o “fetiche” despertado pelas edições de papel ganhou apenas outra tarefa mercadológica?

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