A história da tecnologia esqueceu as mulheres?

Algumas pessoas sempre foram deletadas da história de empresas de alta tecnologia. Isso não é segredo. Essa prática é tão comum no Vale do Silício que é conhecida como “o mito da criação”. Mas algo que talvez surpreenda é o número de mulheres que exerceram papéis cruciais mas foram esquecidas. Esse é um dos temas centrais do novo livro de Isaacson, “The Innovators: How a Group of Hackers, Geniuses, and Geeks Created the Digital Revolution” (Os inovadores: como um grupo de hackers, gênios e geeks criou a revolução digital).

O livro poderia ter sido intitulado “Os Colaboradores”. Cada capítulo reforça a premissa fundamental que Isaacson fez a partir de 15 anos de pesquisas: que cada inovação tecnológica, quer tenha sido o código de programação, os transístores, os computadores pessoais ou a internet, foi construída por grupos de pessoas (que, na maioria dos casos, se inspiraram em ideias passadas). Mas, enquanto vários dos homens envolvidos viraram celebridades, a maioria das mulheres foi esquecida, como mostrou material do The New York Times, assinada por Nick Bilton, traduzida pela Folha na edição de 28/10.

O papel de Ada Lovelace na tecnologia, por exemplo, é tão fundamental que sua história forma os capítulos inicial e final do livro. Matemática e escritora inglesa, ela escreveu o primeiro algoritmo de computador, propôs a ideia de que as humanidades e a tecnologia devem conviver e idealizou o conceito da inteligência artificial.

“Ada Lovelace definiu a era digital”, disse Isaacson em entrevista recente sobre seu livro.

Lovelace foi praticamente ignorada também em seu próprio tempo. Em 1843, quando suas anotações seminais sobre computação foram apresentadas ao “Scientific Memoirs”, um periódico científico inglês da época, os editores recuaram e disseram a um colega dela, Charles Babbage, que ele, “como convém a um homem”, deveria assinar o texto no lugar de Lovelace.

A exclusão das mulheres reforçou estereótipos sobre mulheres e tecnologia e, na América, pode ter levado as mulheres a desinteressar-se pelo assunto. Em 1985, 37% dos diplomas universitários em ciência da computação foram conquistados por mulheres. Em 2010 esse número tinha caído pela metade, para 18%. Hoje apenas 0,4% das primeiranistas universitárias dizem que querem estudar ciência da computação como disciplina principal.

Essa tendência é visível nas grandes empresas do setor. Na Google, 83% dos engenheiros são homens. Dos 36 executivos e gerentes de mais alto escalão da empresa, apenas três são mulheres. Oitenta por cento da força de trabalho tecnológica da Apple é formada por homens. E 85% dos profissionais de tecnologia do Facebook são homens, também.

“Os estereótipos têm um efeito de autorreforço, porque nós, como seres humanos, esperamos ver o que nos é familiar”, comentou Sheryl Sandberg, executiva operacional-chefe do Facebook. Para ela, é imperativo desmentir o mito de que as mulheres não se interessam por tecnologia.

Reshma Saujani, do grupo Girls Who Code (meninas que escrevem código), que quer eliminar o abismo de gênero, concorda. “Se as mulheres tivessem sido mais mencionadas e tivessem mais destaque na computação, tanto nos livros de história quanto na escola, não faltariam programadoras mulheres, como acontece hoje”, disse. Walter Isaacson escreve que parte do problema está no modo como o mito da criação visa converter indivíduos, e não o grupo, em heróis.

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