A Globo em todas as telas

Na tela da TV, a gente vê a Globo, mas a Globo já está e estará cada vez mais além da TV. Na nova estratégia da empresa, o espectador da televisão aberta não é mais o único, e sim um dos vários usuários do conteúdo produzido pelas equipes dos Estúdios Globo e seus parceiros independentes. “O momento é de rompimento de telas. O conceito está sendo posto em prática a partir de agora, e com força”, diz o diretor-geral da Rede Globo, Carlos Henrique Schroder.
O que entra em cena é o ambiente multiplataforma, que demanda um crescente volume de programação, mais diversificado e que seja voltado para diferentes mídias e com maior alcance do mercado internacional. Já foram realizadas produções em língua espanhola e está em preparação a primeira em inglês, como mostrou artigo de Heloísa Magalhães para o Valor de 8/04.
“A Rede Globo passou a ser um produtor de conteúdo que olha o todo”, diz Schroder. “A partir da produção é que vamos averiguar qual é o melhor modelo e qual a melhor forma de se apropriar desse conteúdo. Vamos ver onde e quando exibir.” Os produtos podem ser exibidos na TV aberta, na fechada – Multishow, GNT – e em plataformas digitais, como a Globo Play. “A prática já vem mostrando que as telas não são excludentes. Globo Play é claramente complementar. Quem perdeu o capítulo da novela ou da série, o assiste na Globo Play e depois volta para TV aberta. Ajuda a conduzir, faz aumentar a audiência na TV aberta”, afirma. Com o fim de “A Lei do Amor”, novela das nove, e as fases conclusivas de “The Voice Kids” e “Big Brother Brasil”, a média da Globo por dia bateu recorde: foram 100 milhões de pessoas por dia em março.
A montagem do novo modelo de negócios exigiu um redesenho na gestão de talentos, de criação, de produção, de distribuição e de comercialização. São quatro diretores já consagrados na TV, que atuam na programação, cada um com foco específico: Silvio de Abreu (Dramaturgia Diária), Guel Arraes (Dramaturgia Semanal); Boninho (Variedades – diários e “realities”) e Ricardo Waddington (Variedades – noites e fins de semana/Multitelas). Também fazem parte da estrutura as diretorias de Desenvolvimento Artístico, comandada por Monica Albuquerque, e de Produção, a cargo de Eduardo Figueira. Todos os executivos estavam presentes nesta entrevista ao Valor, na Central Globo de Produção, no Rio.
Com o novo modelo, o núcleo de criação da Globo está ampliando a produção de séries curtas, que duram, em média, três meses. O foco é rotatividade e novidade o tempo todo, seja nas séries ou nos programas de variedades. Nessa linha, foram lançados, de janeiro a março, oito produtos diferentes.
As mudanças procuram tornar a Globo ainda mais competitiva. Mesmo na era de concorrência acirrada, com Netflix, Amazon e YouTube, além de variados aplicativos com oferta de entretenimento, os diretores da emissora – em coro – afirmam: a audiência da TV aberta vai bem e crescendo. “Nunca se viu tanta televisão como hoje. Há um mito do contrário, mas a audiência tem crescido ano a ano. Em média, 97 milhões de pessoas assistem todos os dias à TV aberta. A TV paga, que tem 22% da audiência, é nossa grande concorrente; 47% dos lares têm TV paga. Disputamos essa audiência”, afirma Schroder.
A estratégia que é utilizada para garantir retorno comercial no projeto multitelas não é muito diferente da adotada hoje na TV aberta. Muitos anunciantes fecham uma espécie de pacote. Schroder cita o exemplo do campeonato de Fórmula 1. As mensagens publicitárias não são veiculadas apenas durante a exibição da corrida, mas são diluídas de forma integrada toda vez que o tema é abordado pelos telejornais. Ele menciona uma outra iniciativa: o “Big Brother Brasil”, que, além do programa, opera com várias inserções ao vivo e vai ocupando espaço ao longo da grade.
Uma empresa de refrigerantes também comprou um pacote dentro de um projeto de comunicação em vários horários, mas escolheu um único produto para uma atração. “O Boninho tem um programa de games [‘Zero 1’], formato original que vai ao ar na madrugada de sábado para domingo, de meia-noite até 1h. O Departamento Comercial apresentou aos clientes e a Coca-Cola comprou com a Fanta. O programa registrou 8 pontos de audiência na madrugada, num público supostamente definido, mas o Boninho tem o cuidado de falar com todo mundo. Na TV aberta tem que agradar quem tem 50 anos e 30 anos também. É um projeto que faz a ligação entre o comercial e a produção”, diz Schroder. “É um desafio da área de Variedades criar projetos originais que possam ser vendidos”, completa Monica Albuquerque.
Mesmo com a nova estrutura, as telenovelas continuam sendo o carro-chefe da Globo, produtos que, para os diretores, permanecem atraentes para todas as idades, apesar das mudanças tecnológicas. “Parece incrível pensar, mas é verdade: as pessoas ainda se sentam, às nove da noite, ligam a televisão e assistem à novela. E são de todas as faixas etárias, jovens inclusive”, afirma Silvio de Abreu.
Para Guel Arraes, com as novas tecnologias, “todo mundo vê junto”, já que não é preciso mais compartilhar o mesmo espaço físico para conversar e discutir os rumos das tramas. “O prazer é comentar o que viu na hora, pelas redes sociais”, afirma. Hoje, observa Abreu, uma rede imensa está assistindo ao mesmo tempo que você. “Você não vê só com a família, e vai comentando.”
Ou seja, a emissora vê as mídias sociais como aliadas. No “Big Brother Brasil”, há 17 anos no ar e ainda com boa audiência, Boninho destaca que o programa é comentado nas redes sociais o dia inteiro, mas é na hora que vai para o ar que o programa “bomba”. “Juntamos todas as plataformas que olham o ‘BBB’ na internet: Facebook, Twitter, Instagram. São 2 a 3 milhões de views [acessos] por dia. Esse material alimenta o programa. Mesmo quem está assistindo 24 horas por dia [disponível na TV fechada] converge para o programa ao vivo. A gente se alimenta dessa rede e a rede se alimenta [do programa]. Desde que o ‘BBB’ entrou no ar, foram 300 milhões de views”, diz.
Schroeder mantém certo mistério, mas anuncia que vem aí um novo “reality” no segundo semestre. Também revela que já existem quatro produtos prontos para serem exibidos em 2018. Dois terão estreia na Globo Play, como ocorreu com a série “Nada Será Como Antes”, com Débora Falabella e Murilo Benício, que foi ao ar em setembro e outubro de 2016, mas teve a estreia e capítulos antecipados na Globo Play. “O que muda é que passamos a poder assistir quando quisermos. O consumidor escolhe como consumir”, diz Monica Albuquerque.
O novo modelo da Globo exige ainda outras ações. Para sustentar o crescimento do volume de produções, a empresa inaugura, neste mês, a Casa do Roteirista. Instalada no bairro do Jardim Botânico, ela foi desenhada para atender a nova dinâmica e demanda de conteúdo, especialmente para as séries e formatos curtos de dramaturgia semanal – todas serão para as diferentes plataformas. A Globo atua com 243 roteiristas contratados para atender toda a programação. E quer crescer.
Arraes vai comandar a Casa do Roteirista com seis grupos divididos por temática e por gênero: comédia, romance, suspense. A meta é vir a ter entre 18 e 24 novos produtos inéditos por ano, que também serão voltados para o mercado internacional. Abreu diz que no processo de renovação e planejamento, só a dramaturgia agregou, além de 67 novos atores, sete novos diretores e 14 novos autores. Já eram da casa, mas atuavam como colaboradores de roteiristas do primeiro time. “Autores novos, cabeças novas trazem propostas novas, linguagens novas. Renovação é feita assim”, avalia.
Outra novidade é a construção de três novos estúdios com uma avançada tecnologia e que também vão atender a uma demanda do diretor de Dramaturgia Diária, que sempre reclamou da necessidade de montar, desmontar e montar de novo cenários no decorrer de uma telenovela, lembra Schroder. Com as instalações que serão construídas, será possível que o cenário fique montado até o último capítulo. Segundo o diretor-geral, os estúdios terão o que “há de mais moderno”. As câmeras serão sem fio e vão se conectar por tecnologia IP. Trata-se do protocolo da internet, que permite o tráfego de grandes volumes de dados e o acompanhamento da evolução dos formatos de produção, como 4K e 4K HDR.
Terão 4,5 mil m2 de área total construída. Ficam no próprio Projac, que, por sua vez, tem cerca de 1,6 milhão m2. O projeto foi desenvolvido a partir de um novo conceito de produção, com os cenários fixos sonhados por Abreu, módulos de produção e sets cenográficos integrados. A proposta é conquistar ganhos de eficiência, produtividade e logística na realização específica de telenovelas.
Com a nova estrutura de gestão executiva, também houve otimização dos recursos. Todo o material necessário e o custo da infraestrutura para uma produção passam por Eduardo Figueira e Monica Albuquerque. Ambos tentam evitar superposição de atividades, cenários, atores e buscam o maior equilíbrio de custos. “Aumentamos a programação e gastamos menos. Estamos fazendo três programas neste ano com o que economizamos do orçamento do ano passado”, afirma Schroder.

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