Thirteen reasons why e os grupos de apoio nas baladas de alunos

Pedro de Santi
No começo deste mês, foi lançada mais uma daquelas séries originais da Netflix extremamente afinada com o público jovem contemporâneo. “Thirteen reasons why” foi adaptada de um libro e, a princípio, se alinha a uma sequência de temática romântica de muito sucesso recente: a morte de um adolescente por doença ou suicídio. O horror de assistir uma vida plena de futuro ser perdida tem um apelo irresistível no cinema atual. É claro que esta temática evoca histórias clássicas como “Romeu e Julieta”, de Shakespeare ou “Werther”, de Goethe.
No caso desta série em 13 capítulos, além de seu público imediato adolescente, pareceu-me que ela merece ser vista por professores e gestores e ensino médio e universitário. Ela descreve o ambiente pleno de inseguranças, conflitos, competições, necessidade de autoafirmação e crueldade entre jovens. Suicídio, violência sexual, intolerância, falta de empatia e tantas outras fontes de sofrimento são apresentadas didaticamente.
Podemos evocar o termo ‘bullying’, que passamos a adotar e é claro que a questão do estupro catalisa quase todas as atenções, mas o que me pareceu mais premente na trama são as inúmeras pequenas violências do cotidiano que sofremos e impomos uns aos outros, ora de propósito, ora sequer sem nos darmos conta.
O mundo do adolescente já é violento por sua própria condição de transição, pela fortes excitações que sente sem ter recursos para entender e elaborar, pelas tantas questões que tem que responder sem que ele própria as tenha colocado. E vêm então a violência das relações extra familiares; inclusão em grupos, ser desejado. Tudo isto vem acompanhado com o sentimento de perda: perda da infância, perda de inúmeras idealizações que se fazia. A iminência da chegada à vida adulta é ambivalente no que promete de autonomia e o que se apresenta como decepcionante.
No contexto do Romantismo, o adolescente que morre se vê poupado das misérias da vida da adulta.
Episódio após episódio, a série apresenta quase que um catálogo de relações abusivas, muitas delas próximas do cotidiano de todos nós.
O efeito é pregnante e já aconteceu o inevitável: ao longo da semana, fui procurado por um aluno que havia visto a série e estava muito preocupado com uma amiga, em quem pressentia o risco de suicídio. Risco real ou contaminação pela série? Difícil dizer. Dizem que o romance sobre o jovem suicida Werther gerou uma “epidemia” de suicídios entre jovens do século 18 e 19.

Na semana seguinte ao lançamento da série, realizamos na ESPM o II Encontro Consciência e Saúde. O tema deste ano foi Sexualidade. Prazer e cuidado de si. A proposta era poder conversar com representantes de entidades estudantis sobre um leque grande de temas relativos à sexualidade. Mas o debate foi dominado pela discussão sobre a ação dos grupo de apoio criados por eles para suas baladas. Os grupos de apoio são compostos por alunos identificados que se dispõem a não beber e são acionados nas festas sempre que situações de violência ou assédio acontecem. A iniciativa partiu dos coletivos feminista e LGBT e começa a ser imitado por outras faculdades. A simples existência destes grupos já inibem iniciativas abusivas.
A melhor parte disto, naturalmente, é que se trata de uma iniciativa e realização dos próprios alunos no cuidado de uns com os outros.
Ao longo do debate, um dos alunos disse que os alunos vão às festas e se embriagam em busca de liberação sexual. O enunciado é contraditório em si: ninguém é menos livre do que alguém fora de si, embriagado. E o encaminhamento do debate mostrou algo muito distinto, a liberdade sexual de todos almejada pelas festas tem como condição prévia a aquisição de um sentimento de segurança. A segurança de que a expressão de seu desejo não será ridicularizada ou punida, assim como a segurança de estar amparado por um grupo e não à mercê da violência do desejo de um outro mais forte. A liberdade de dizer não parece ser entendida como condição prévia para que se possa dizer sim.

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