São Jerônimo Que Escreve

Ousadia bem feita sempre fez sucesso: horas de fila para ver Caravaggio.

Fome de arte. Três horas de fila para ver “São Jerônimo que escreve” ou “Medusa Murtola” duas obras prima de Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571 – 1610). Na exposição do Masp há mais cinco telas dele, além de 15 pinturas realizadas por seus seguidores, os chamados “caravaggescos”. Nos seguidores há um pouco de tudo, como os trabalhos de Artemisia Gentileschi, a única que realmente conheceu e trabalhou perto de Caravaggio. Os outros 14 não o conheceram mas veneravam seu estilo.
Por que de tanto interesse? Um consenso entre os críticos é que o sucesso eterno de Caravaggio nasce da mistura que faz entre ousadia e provocação nas suas telas. Ele foi muito além da representação da realidade renascentista, dos primeiros momentos da vitória da burguesia contra o religioso mundo feudal. O que importa é que Caravaggio não tinha nenhum interesse pelo real. Ele revoluciona, inclusive o reino dos céus, ao retratar prostitutas, ladrões e outros marginalizados “como figuras religiosas veneradas pela Igreja, na boa sacada de Antonio Gonçalves Filho no Estadão. O pintor escolhia retratar seus semelhantes, pecadores todos, mesmo em obras encomendadas por nobres, ou altas figuras do clero.
Ninguém reclamava depois da obra pronta. Os modelos de suas santas são mulheres de rua. Nas suas telas não há transcendência; por exemplo, no São Jeronimo dele o crânio do santo tem o mesmo formato da caveira à sua frente sobre a escrivaninha “uma espelha a outra de forma dramática e existencialista” como escreveu Gonçalves Filho. Aliás, quem quiser, pode ler o texto integral desse jeito de ver Caravaggio no endereço:

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-homem-que-deu-a-realidade-uma-dimensao-sagrada-,907906,0.htm

Caravaggio revolucionou a forma da pintura ao radicalizar a técnica do claro/escuro deixando ostensivo na tela a luta interna dele entre trevas e luz. Caravaggio usa a luz como “elemento de equilíbrio”. Quando a luz invade o escuro escancara a realidade. Ele fez isso retratando trapaceiros e vigaristas. Usou a mesma técnica, da luz invadir a penumbra, para revelar o sagrado.
A “Medusa Murtola” tem outra história. O risco da Medusa era conhecido: quem olhasse aquele ser, com cobras no lugar de cabelos, virava pedra. O herói Perseu defendeu-se desse olhar mortal usando o escudo como refletor. Caravaggio pintou o momento em que a Medusa é vítima de seu próprio mal em que ela se vê, refletida e degolada. O terror no olhar da Medusa era o mesmo de suas vítimas. Devolver o medo, “refletir” o terror em quem o faz, é o que muita gente quer fazer. Caravaggio fez. Faz 400 anos que o admiram exatamente por isso.
A exposição Caravaggio e seus seguidores foi a Belo Horizonte e agora está no Masp, na avenida Paulista.

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