O mal que preocupa a arte contemporânea é a dificuldade de compreensão. Muitas vezes, o conceito que justifica a obra como arte se esconde no processo de produção. Esse conceito não está apresentado de forma óbvia e demanda esforço do observador que não é especialista em buscar informação para melhor compreender o que admira.
A Iminência das Poéticas foi o título dado pelo curador venezuelano Luis Perez Orama à 30ª Bienal de São Paulo. As obras que parecem desconectadas, passam a fazer sentido quando observadas a partir da produção de um artista brasileiro, Arthur Bispo do Rosário.
Após sofrer o que foi diagnosticado como um surto psicótico, o Bispo do Rosário passou a acreditar que fora escolhido para recriar o universo e apresentá-lo à Deus, no dia do juízo final. Considerado esquizofrênico, foi internado no hospital psiquiátrico Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, onde morreu após 50 anos, ao longo dos quais, dedicou-se exclusivamente à produção compulsiva de arte.
Pentes, garrafas, peças de roupas, todo objeto cotidiano que caía nas mãos de Bipo do Rosário era reorganizado dentro da lógica construída por ele. Bordados milimetricamente detalhados traduziam algumas das perturbações que insistiam em martelar seus pensamentos.
Essa linha tênue entre arte e loucura é reproduzida ao longo das salas da Bienal. Pinturas, fotografias, esculturas e instalações trazem à tona um processo de criação catártico e compulsivo. Por exemplo, na obsessão pelo corpo masculino que levou o artista Alair Gomes a fotografar incessantemente os meninos do Rio de Janeiro; ou no pavor sentido por Horst Ademeit de que raios x destruíssem as coisas materiais da terra, levando-o a registrar em seu apartamento, por vinte anos, em polaroides, com anotações que descreviam o que era fotografado. O seu “pavor” está na exposição para ser avaliado por qualquer visitante.
A 30ª Bienal de São Paulo celebra esse universo no qual a arte pode estar prestes a acontecer, em qualquer lugar, a partir, inclusive, de um surto psicótico. A Iminência das Poéticas dialoga com a obsessão comum a todos os artistas que compõe a exposição. A obsessão permite transformar qualquer objeto tocado, em arte. Ali não há conceito pré-estabelecido responsável por transformar a obra. Pelo contrário, é a obra apresentada que introduz um novo conceito.
O interessante é observar o que cada visitante acha de cada “obsessão”. Essa observação é tão relevante quanto a própria Bienal de São Paulo.