A Menina no Banquinho

Taline Alonso

Eu tenho três certezas na vida. Minha fé em Deus. Vou morrer um dia. Gosto de pessoas. Desde pequena sempre foi assim. Cresci em sítio e era amiga de todo mundo lá. O caseiro me dava manga direto do pé. E tinha um bicicletário onde eu fingia que vendia bicicletas para a mulher dele. Na padaria perto do sítio que minha avó me levava para comprar pão todo dia de manhã, eu puxava um papo inteligente com o padeiro. O médico bonitão da cidade era meu namorado – só que ele não sabia disso -. Na escola, eu amava a semana literária porque era uma chance de apresentar peças e estar no palco. Eu amo o palco. Gosto de ser observada, porém gosto mais ainda de observar.

Por esses motivos e tantos outros que desconheço, quero lhes apresentar o banquinho. Sem cerimônias e firulas, é um banco de madeira. Bem duro, por sinal. Fica na frente da sala dos professores. É quase minha casa, só que menos confortável. Estar nele, de qualquer maneira, também é um palco. Veja bem, eu estou lá observando e sendo observada constantemente.

O que mais me encanta nisso tudo – sentar no banquinho e estar de fato ali – é como relações são criadas mesmo sem fala. Isto é, de um modo em que as palavras não são estritamente necessárias. A comunicação é feita pelo olhar, pela postura, gestos e corpo. Eu estou ali. O meu Outro está ali. Nós nos olhamos. Temos uma relação. Melhor dizendo, estamos em uma relação. Sim, estamos. É efêmera, mas rica.

Eu, enquanto Menina no banquinho, percebi que os gestos atribuídos por mim, determinavam os que seriam atribuídos a mim. E vice-versa. Por exemplo, se sou eu que estou no comando da conversa naquele momento, sorrio e dou a oportunidade de a pessoa escolher o que quer: sorrir de volta ou apenas acenar com a cabeça. Ao criar essa relação majoritariamente não-verbal com todos os Outros que passaram pelo banquinho, eu queria de algum jeito descobrir o que estavam pensando e sentindo. E ao menos que eu seja uma telepata – o que não sou! -, há grandes chances de ter interpretado as expressões erroneamente. Mas aí é que está o barato. É um jogo. A regra é criar o hábito de perceber, ao invés de só observar.

Com a ajuda de algumas das muitas anotações que fiz no meu “diário de bordo do banquinho” (anotei tudo o que via, com o horário do ocorrido e alguns pseudônimos que criei para quem me relacionei por um tempo), aí está meu ponto de vista:

06h58 A “senhorita que só come maçã” está comendo tranquilamente, enquanto olha para os cartazes na parede da sala dos professores. Bom, ou ela acorda cedo para chegar e conseguir tomar o café da manhã com calma, ou mora longe. Ou outra opção que eu não pensei na hora. Sei que não importa muito, mas ela parece minha vó. Isso me faz gostar dela imediatamente.

07h00 O moço “do chapéu” acabou de passar e sorriu para mim, enquanto pegava uma moeda do chão porque não queria pisar em cima dela. Aí ele ajeitou a mochila no ombro e arrumou o chapéu. É sempre assim. Com certeza é organizado. Tem cara.


07h12 O “barba-feita” está passando agora. Eu o apelidei com esse nome porque toda vez que ele faz a barba, parece mais feliz. E hoje é um desses dias, porque a pele está lisinha. Fiquei feliz também.


07h20 Lá vem o “pão de queijo integral + esfiha”. Eu estou criando uma teoria ele que não pode ser evitada: Pede dois salgados de manhã. O pão de queijo integral e a esfiha. Mas por quê integral? Será que ele opta por esse combo porque é gostoso ou para compensar a esfiha? É tipo comer Mc Donald’s e tomar água ao invés de refrigerante… Está tudo bem, eu também faço isso.

Para o moço “do chapéu”, da “senhorita que só come maçã”, do “barba feita” e do “pão de queijo integral + esfiha”, eu posso ser interpretada como alguém que não tem nada melhor para fazer, a não ser ficar no banquinho. Posso ser vista como alguém que gosta de sentar em bancos duros enquanto lê um livro ou apenas observa. Posso ser muita coisa. Várias versões. Será que eles também já estão acostumados comigo, como estou com eles? Será que eu faço parte da rotina também?

No fim das contas, observar e ser observada é isso, né? Tive vários pré-conceitos sobre muitas pessoas até então desconhecidas, porém elas também tiveram sobre mim. A gente se olhou no olho. Na bolinha do olho. Eles me acrescentaram, entende? E não importa se a recíproca não é a mesma. Eu sou completa com tantos Outros. Mesmo me questionando tanto sobre quem são eles e quem sou eu. Nem sei se isso importa. Acho que não. Continuo no banquinho. Quem será o próximo?

Comentários estão desabilitados para essa publicação