Matheus Santos de Paula
Esse ensaio tem por objetivo analisar o papel da figura do presidente JK na realização da Operação Pan-americana e se sua liderança foi um fator decisivo para a implementação desta. Foram analisados artigos quetratam do assunto da Operação, como das funções e ações realizadas pelo presidente.
O surgimento e desenvolvimento da Operação Pan-americana:
Em um mundo pós Segunda Guerra Mundial, com o triunfo dos aliados guiados pelos Estados Unidos e pela União Soviética, se instaurou a bipolaridade no mundo e com ela o combate entre duas ideologias, o capitalismo e o socialismo. Cada superpotência tinha como objetivo ampliar seu poder de influência e sua ideologia, utilizando primeiramente de um mecanismo de ajuda econômica e de segurança. Os Estados Unidos pelo lado capitalistaestabeleceram o plano Marshall, cujo objetivo era fornecer auxílio econômico e tecnológico para os países europeus que sofreram na guerra. Também era de seu interesse estender seu poderio pelo continente asiático, por conta disso foi realizado aos moldes do plano Marshall o plano Colombo. Do lado comunista foi institucionalizado um programa de ajuda econômica chamada COMECON, que tinha também os mesmo interesses dos planos capitalistas, porémpara países socialistas. Com as superpotências concorrendo por outros mercados, a América Latina, mesmo sob zona de influência norte-americana, ficou à mercê de um plano de ajuda econômica tal como ocorreram para outras regiões. Além da questão mercadológica, quando se observa pela ótica de segurança, os principais conflitos da Guerra Fria aconteciam na Ásia e na Europa, e a América Latina ficava num papel secundário (SILVA, 1999).
Isso gerou um descontentamento dos países da região, que estiveram sempre em uma posição de assimetria com os EUA, e demandaram por uma maior representatividade na agenda econômica norte-americana que refletiu na criação da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), órgão que funciona até hoje e é um braço das Nações Unidas que tem como missão, dentre outras, incentivar o desenvolvimento econômico e social na região (CEPAL, S/D). Contudo, os EUA também implementaram umacordo de
segurança para as Américas, o TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca) que tinha como objetivo “garantir a paz e a segurança continentais” (OEA, 2000) e “organizar a ação solidária destes (os Estados-membros) em caso de agressão.” (OEA, 2000).
A criação desses órgãos internacionais serviu para institucionalizar a presença dos Estados Unidos na região,mas não apresentou um plano de ajuda econômica para o continente. Mesmo com essa negligência para com aAmérica Latina e o Brasil, a política externa de Dutra foi de alinhamento automático1 com os EUA e combate ao comunismo (MANZUR, 1999). Seu sucessor Getúlio Vargas apresentou uma política externa de barganha relacionada à adotada em outros governos, mas que não se encaixava nos moldes bipolares da Guerra Fria (HOLZHACKER, 2020).
Então, em 1956, Juscelino Kubitschek empossou o cargo de presidente da república pelo PSD, adotou uma política desenvolvimentista, um keynesianismo parecido com o que os EUA implementaram depois da grande depressão (CENTRO INTERNACIONAL CELSO FURTADO, S/D). Prometia um grande desenvolvimento do país através da construção de infraestrutura rodoviária e consequentemente, segundo as matrizes da ideologia, esses frutosdo desenvolvimento econômico se distribuíam automaticamente pela sociedade.
O presidente percebia a discrepância econômica da América Latina, que na maior parte dos países possuíam ainda uma economia agrária primária de exportação, com balanças comerciais muito desiguais e via também que o subdesenvolvimento da região poderia ser um motivo para a disseminação de ideias do bloco comunista na região.Unindo auxílio econômico e segurança, foi lançada a Operação Pan-americana em 1958. Era uma iniciativaformulada pelo próprio Juscelino que “fazia questão de frisar que se tratava de iniciativa que ele estava “pessoalmente dirigindo”” (SILVA,1999), o que, além de demonstrar um caráter político para um movimento comumente diplomático, apresentava um apreço para realização no período do mandato.
Essa política colocava os anseios brasileiros de colocarem a América Latina e o Brasil numa esfera de maiorimportância tanto no cenário internacional, quanto no espectro dos EUA como prioridade, como citado “nãoapenas o direito, mas a obrigação de fazer-se ouvido” (SILVA, pág. 18, Operação Pan-Americana – vol. 1, p. 32) oque demonstrava que o país estava já em uma esfera em que precisava de maior espaço para participação e respeito. Além disso, era identificada uma hipocrisia por parte dos países desenvolvidos guiados pelos Estados Unidos, enquanto elespregavam a democracia, o incentivo à iniciativa privada, qualidade de vida, desenvolvimento tecnológico, ohemisfério sul era deixado de lado (SILVA, 1999).
Juscelino via o subdesenvolvimento na região como uma possível porta de entrada para ideais socialistas. Oalinhamento nas esferas governamentais não garantiam a manutenção da população à democracia e ao capitalismo, enxergando a dificuldade de manter esses ideias ocidentais em um hemisfério onde as condições sociais eram tãoprecárias (SILVA, 1999) a OPA deveria ser “um instrumento para superação do subdesenvolvimento pelos países sul-americanos” (GALERANI, 2010, pág. 108). Por conta disso, essa era a pauta principal da OPA, demonstrar que se não houvesse uma ajuda econômica aos países latinos a segurança do Ocidente estaria em cheque.
Os países da região não estavam também com um bom relacionamento com os EUA, na visita do vice-presidente Nixon ao Peru e à Venezuela houve manifestações populares que quase o mataram (ADST.org., 2013),esse incidente causou uma grande repercussão nos países da região, fator que contribuiu para uma revisão tanto da política externa dos latinos de alinhamento automático com os EUA que vinha desde o fim da Segunda Guerra Mundial. (GALERANI, 2010).
Devido a isso a Operação se diferenciou com approach multilateralista, na América Latina eram utilizadas mais relações bilaterais, principalmente com os EUA. Por ser uma questão pouco utilizada na época, havia um entrave dos setores mais tradicionais brasileiros, como o partido que era oposição em várias pautas à JK a UDN (FGV CPDOC, S/D), que questionavam a troca do bilateralismo e o alinhamento automático que para ummultilateralismo (GALERANI, 2010). Outra questão interna que atrapalhava o presidente era o sentimento antiamericano da população, que percebia a priorização da Europa e da Ásia em comparação com a América Latina,esse neo imperialismo americano era amplamente criticado pela base nacionalista e desenvolvimentista de Juscelino (MANZUR, 1999).
Lançada a proposta da Operação Pan Americana tiveram diversas conferências de negociação e conversa,Kubitschek sempre com uma postura carismática encabeçando a Operação, trazendo sempre que podia para âmbito político, porém com medo de uma não adesão forte norte-americana ser tida como uma derrota (SILVA, 1999). Porconta disso criou o Comitê dos 21, que era composto por representantes dos 21 países das Américas que eram como um fórum de debate sobre a OPA (SILVA, 1999). A ideia do Ministério das Relações Exteriores era que esse comitê fossearticulado e independente das burocracias da OEA (SILVA, 1999) o que auxiliaria na valorização do comitê eagilidade nas ações.
Apesar de estarem presentes no comitê, os EUA rejeitaram as propostas iniciais por falta de elaboração no estudo e foi logo colocado de lado, a superpotência não admitiu o compromisso político, colocou o comitê próximo ao CIES, órgão à OEA, o que foi tido como fracasso para embaixada brasileira (SILVA, 1999), essa negligenciação dos EUA foi contínua durante toda o processo de elaboração e também nas conferências, sempre tentando atrelar aoperação à OEA.
Mesmo assim, os Estados Unidos reconheceram o problema de subdesenvolvimento na região, principalmente após a revolução cubana que concretizou o que JK havia previsto, e criou o Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID) um banco atrelado à OEA, diferentemente dos moldes desenvolvimentistas esperados pela OPA, mas com um caráter bancário parecido ao Banco Mundial e ao FMI. (SILVA, 1999). Esse embate entre o planodesenvolvimentista de JK e dos países latinos com o modelo liberal norte-americano ocorreu durante todo o processo.
Outro impasse encontrado pelo presidente brasileiro era a falta de apoio dos países da região, os EstadosUnidos estavam promovendo acordos bilaterais e financiando países expressivos como Chile e Argentina na região, para enfraquecer a frente criada pela OPA, inclusive utilizando do FMI para realizar esse poder de influência (SILVA,1999).
Após a criação do banco em 1960, poucas inclinações foram demonstradas pelos americanos, o que demonstra que “O único resultado tangível do período foi a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)” (GALERANI, 2010, pág. 110).
A figura personalista e carismática de Juscelino Kubitschek não conseguiu obter o êxito que gostaria com a Operação Pan-americana, mesmo movendo todos os esforços e tentando sempre que ela tivesse um caráter político a falta de apoio interno que dificultava a negociação foi algo crucial para não realização. Os Estados Unidos, mesmo com a revolução cubana, não colocava como prioridade a região, deixando seus esforços concentrados na Ásia e na Europa, e, ainda, a falta de coalizão latino americana que apresentou impasses para realização com países adotandopolíticas mais bilaterais ou de alinhamento automático aos EUA. Por fim as desavenças de modelo desenvolvimentista com os interesses americanos foram ainda mais um ponto que impossibilitaram a execução.
Portanto, é condizente encarar o resultado da Operação como fracasso, a região não teve um Plano Marshall,nem um plano Colombo, tal como as outras regiões, o subdesenvolvimento assola a América Latina até hoje e, mesmo a tese de JK ocorrendo em poucos países como Venezuela e Cuba, a não ocorrência nos outros países foram por conta de intervenções militares diretas e indiretas norte-americanas, intervenções essas que deveriam ter sidofeitas de maneira econômica com um caráter social, que poderiam gerar efeitos positivos à longo prazo e fazer com que a América Latina não sofresse dos mesmo problemas até hoje.
1 O alinhamento automático foi uma política de orientação voltada exclusivamente aos EUA adotada por Dutra nesse período pós guerra, que colocava o Brasil com um “alinhamento incondicional” (MANZUR, pág. 48, 1999).
REFERÊNCIAS
ASSOCIATION FOR DIPLOMATIC STUDIES & TRAINING. The Day Venezuelans Attacked Nixon. Disponível em: https://adst.org/2013/05/the-day-venezuelans-attacked-nixon/. Acesso em: 13 out. 2020.
CENTRO INTERNACIONAL CELSO FURTADO DE POLÍTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Desenvolvimentismo. Disponível em:http://www.centrocelsofurtado.org.br/interna.php?ID_S=72. Acesso em: 13 out. 2020.
CEPAL. Mandato e missão. Disponível em:https://www.cepal.org/pt-br/mandato-y-mision. Acesso em: 12 out. 2020.
FGV CPDOC. JK rumo à presidência > Um candidato otimista. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/JkRumoPresidencia/CandidatoOtimista. Acesso em: 12 out. 2020.
FGV. UNIAO DEMOCRATICA NACIONAL (UDN). Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/uniao-democratica-n acional-udn. Acesso em: 12 out. 2020.
MANZUR, T. M. P. G. Opinião pública e política externa do Brasil do Império a João Goulart: umbalanço historiográfico. Scielo, jun./1999. Disponível em:https://www.scielo.br/pdf/rbpi/v42n1/v42n1a02.pdf. Acesso em: 12 out. 2020.
MEMORIAL DA DEMOCRACIA. O BRASIL DE JUSCELINO ROMPE COM O FMI. Disponível em: http://memorialdademocracia.com.br/card/o-brasil-de-jk-rompe-com-o-fmi. Acesso em: 12 out. 2020.
OEA. Conceitos para a segurança hemisférica. Disponível em:http://www.oas.org/CSH/portuguese/novosdocsegcolect.asp. Acesso em: 13 out. 2020.
PROJETO MEMORIA. UM FURACÃO NA PRESIDÊNCIA (1955-1961). Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/JK/cronologia/crono03.html. Acesso em: 12 out. 2020.
SILVA, Alexandra de Melo e. A Política Externa de JK: Operação Pan-Americana, Rio de Janeiro:CPDOC, 1992. Disponívelem:https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/PoliticaExterna/CenarioGuerr aFria. Acesso em: 12 out. 2020.