Venezuela, ou como promover justiça social sem cair no ridículo (só que não).

Por Gianpaolo Dorigo, Professor do Anglo Vestibulares

Para muitos, a afirmação de recém eleito presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante a campanha, segundo a qual Hugo Chávez apareceu diante de si como um passarinho foi suficiente para um julgamento: é um bobão, ou então, é um farsante. Ou um místico – ai de mim considerar no misticismo uma síntese de bobagem com farsa. Seguiu-se o comentário gracioso, também feito por Maduro, sobre a escolha do papa argentino: seria a prova de que Hugo Chávez, recém chegado ao Paraíso, soprou no ouvido de Deus o nome do candidato sul-americano, o que foi suficiente para convencê-Lo e, em seguida, influenciar os cardeais no Conclave, sob a forma de Espírito Santo.
Trata-se aqui de habilidosa estratégia para promover o contato com as massas, sabidamente religiosas ? Talvez. Mas será que isso justifica tanta bobagem ? Será que um discurso desses, plenamente compreensível pelas massas, não deseduca politicamente, e qual o sentido de promover a justiça social junto com a deseducação política ? Aliás, por que a promoção da justiça social não costuma ser acompanhada por uma política emancipadora ?
Fico me perguntando onde está a esquerda moderna. Na Venezuela, as palavras do presidente enunciam um discurso arcaico – automaticamente sugerindo práticas políticas do mesmo gênero. No Brasil, é a prática política da esquerda no poder que pode ser caracterizada como arcaica: onde está o combate às oligarquias e à máquina partidária fisiológica ? Onde está o gesto eternamente aguardado na política brasileira de “dar as costas ao PMDB” ? Onde está o repúdio aos Felicianos, eles mesmos portadores de um discurso obscurantista ?
A solução política da esquerda será, talvez, criar no momento oportuno, um novo sistema político, ancorado em coisas como o controle social da mídia (golpista e burguesa) e uma nova forma de democracia (mais avançada que a liberal). E assim reescreveremos a história do século XX, em alguns de seus piores momentos: as “democracias populares”, nome de fantasia de muitas ditaduras de partido único. Mas, claro, com justiça social.
Eu me pergunto : não será possível a justiça social em outro quadro político ? E me pergunto também sobre a relação entre os conceitos de esquerda e moderna. Talvez muitos achem que ser de esquerda já implica em ser moderno. Já não basta: faz-se necessário uma esquerda que avance também na esfera política, para além da repetição de modelos arcaicos ou deseducadores.

Gianpaolo Dorigo é professor de História do Anglo

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