Trindade impossível: economia digital – finanças desreguladas – desenvolvimento sustentável

André Vivas Frontana 

Para entender a conjuntura econômica, é essencial conhecer minimamente os processos dinâmicos que a produzem. Ou seja, é preciso conhecer o filme por trás da foto. Não é possível compreender o atual quadro político e econômico brasileiro, marcado pela implementação de uma agenda de reformas e de austeridade fiscal que desconstrói o pacto constitucional de 1988 e acelera um processo de desindustrialização prematura, sem conhecer as transformações estruturais observadas na geopolítica internacional e nos mecanismos de operação do capitalismo global, nesta etapa de hegemonia das finanças e do “capital cognitivo” (as Big Techs).

Não há espaço aqui para analisar as múltiplas dimensões desse processo, que envolve, dentre outros aspectos, o desafio imposto pela China à hegemonia tecnológica e geopolítica norte-americana, a instabilidade monetária e financeira global desde 2008, o intenso processo de digitalização da economia, o aprofundamento de desigualdades sociais e regionais, os desafios climáticos e ambientais e os impactos da crise sanitária da pandemia do coronavírus.

Este texto limita-se a chamar a atenção para a dificuldade de produzir e coordenar políticas econômicas sem levar em conta uma “trindade impossível”, a compatibilização simultânea de três dimensões do mundo contemporâneo: digitalização da economia, finanças desreguladas e desenvolvimento sustentável. Tudo indica que quando duas dessas dimensões avançam, a terceira se mostra inviável. 

Finanças desreguladas e digitalizadas buscam rentabilidade imediata, algo incompatível com o desenvolvimento sustentável, que exige investimentos persistentes de longo prazo para a transição ecológica e a descarbonização do planeta, com inclusão social no novo processo produtivo digital. 

A massa de investimentos necessária para as transformações requeridas pelo desenvolvimento sustentável só seria possível em um cenário de finanças desreguladas se estas tivessem limitações estruturais que impedissem seus movimentos especulativos, algo impensável num mundo digitalizado. 

A compatibilização entre o avanço da economia digital e a necessidade urgente de um modelo de desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável exige coordenação coletiva e finanças “pacientes”, algo que só é possível mediante um Estado robusto e finanças reguladas e direcionadas para a viabilização de projetos rumo a uma economia mais complexa. 

O Brasil perdeu o bonde do processo de produção de tecnologias digitais, mas tem um imenso potencial para ser protagonista em tecnologias voltadas para o desenvolvimento sustentável. 

A redução do Estado, a minimização do papel do BNDES, a lei de autonomia do Banco Central e a permissão de contas em dólares no país são medidas que jogam no sentido de uma desregulação ainda mais ampla das finanças. 

Estará este Brasil da “livre posse de armas” dando mais um tiro no pé?

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