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Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

Estende-se até domingo, 13.04.14 a 19a. edição do É TUDO VERDADE, o mais importante festival de documentários do país. Ele acontece simultaneamente em São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro e Belo Horizonte São 77 filmes de 26 países e a simultaneidade do evento restringe as exibições a apenas duas ou, às vezes, uma única sessão. Quem não puder conferir as sessões, resta a possibilidade de conferir, eventualmente, na internet, alguns filmes.

Com forte ênfase em temas políticos, o festival traz, entre outros títulos, SOBRE A VIOLÊNCIA (CONCERNING VIOLENCE), de Goran Hugo Olsson. A partir de arquivos da TV sueca, o filme volta-se para as lutas de independência de vários países africanos, como a Rep. Centro-Africana e Angola, depois da II Guerra Mundial. A forma é interessantíssima: as imagens são justapostas a trechos do clássico maior do colonialismo, o livro OS CONDENADOS DA TERRA, de Frantz Fanon. Escrito em 1962, quando a França se dividia entre conceder a independência à Argélia ou prosseguir a guerra suja, a obra ganhou um prefácio de Jean-Paul Sartre que posteriormente se tornaria mais lido que o próprio texto de Fanon. A grande questão que o filme lança é: onde a África chegou hoje, depois de tantas lutas sangrentas, não só em relação ao colonizador, mas, mais frequentemente, nas inúmeras guerras civis que dividiram todos os países nos processos pela independência. Como sabemos, independente dos governos de direita ou de esquerda, esses países mergulharam em redes internacionais de corrupção, que envolvem os preciosíssimos recursos naturais espalhados por todo o continente. Em Angola, por exemplo, a maior fortuna do país (estimada em 4 bilhões de dólares) pertence à filha do presidente.

Entre as produções nacionais, um destaque é BERNARDES, cinebiografia do arquiteto Sérgio Bernardes (não confundir com o designer e também arquiteto Sérgio Rodrigues). Bernardes foi, entre os anos 40 e 60, ao lado de Niemeyer, o mais disputado arquiteto da alta sociedade carioca. Quem podia, queria um projeto com a assinatura da grife. Como observa Ivo Pitanguy, Niemeyer era mais o criador dos grandes espaços abertos que ecoavam a vastidão das obras públicas; Bernardes era mais o aconchego doméstico, o conforto da casa que acolhe. O objetivo maior do filme é resgatar o lugar de Bernardes na memória da arquitetura brasileira, já que ele acabou sendo estigmatizado por desenvolver projetos para a ditadura militar. A maioria desses projetos, no entanto, não foi concretizada. E os militares simplesmente se negaram a pagar por eles, o que levou o escritório de Sérgio à falência.

Mais do que o inventor tomado por uma criatividade ímpar (ele desenvolvia vários projetos diferentes simultaneamente), destaca-se a figura de um homem para quem a liberdade sempre esteve acima da fama, do dinheiro e até mesmo das relações pessoais. Na noite, por exemplo, em que todo o high society carioca se reuniu para comemorar as bodas de prata do arquiteto, ele simplesmente não apareceu na festa. Embarcou num navio para Nova Iorque, acompanhado da amante, que, por sua vez, era amiga de sua mulher.

Ainda entre as produções nacionais, destaca-se a retrospectiva de Helena Solberg, com títulos como A ENTREVISTA, no qual ela conversa com mulheres dos anos 60 e ouve suas expectativas a respeito de questões como casamento, virgindade, profissão e liberdade; ou aindaA NOVA MULHER (THE MERGING WOMAN), rodado nos EUA, e que faz um panorama da história do movimento feminista de 1800 a 1974.

O É TUDO VERDADE acontece no Livraria Cultura, na Reserva Cultural e no CCBB. Todas as sessões são gratuitas.

Para ler outros textos do Prof. Veronese, acesse blog CPV (link Dicas Culturais do Verô).

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