Sobre o uso da internet na sala de aula

Por Pedro de Santi
Professor ESPM

Nos últimos dias, foram veiculadas na Folha de São Paulo matérias interessantes sobre o uso de notebooks ou tablets em sala de aula.

Numa escola de ensino médio, os alunos são incentivados a colaborar ao longo da aula com uma plataforma de resumos compartilhados. Em outra, os alunos devem melhorar os artigos da Wikipedia.

De bate pronto, pareceu-me interessante a forma como as escolas passaram a incorporar estes meios de comunicação ao invés de combater seu uso. Estamos cotidianamente confrontados com a questão: devemos autorizar ou não (ou em quais circunstâncias) seu uso em sala de aula. Naturalmente, disciplinas diferentes podem ter respostas diferentes às questões levantadas. Não é a mesma coisa estarmos numa aula de filosofia, marketing, estatística ou história da arte.

Os argumentos contra a liberação dos meios eletrônicos são bons. É preciso preservar a aula. A sala de aula deve ser um lugar de concentração, devendo ser afastadas formas de distração. A disponibilidade de uma rede wifi e um computador levariam irresistivelmente os alunos à distração. A concorrência pela atenção do aluno seria desleal. A assimilação de conhecimento depende de atenção e tempo de assimilação e isto seria impossível com tais estímulos disponíveis.

Os argumentos a favor são também bons. A sala de aula fechada tende a deixar de existir em breve.  O ensino à distância ou modos híbridos de relação com as instituições de ensino são já uma tendência. Devemos lançar mão de todos os meios possíveis para nos comunicarmos com os alunos, disponibilizarmos informações e articularmos conhecimento. Muitos alunos já desconhecem cadernos e usam seus dispositivos como bloco de notas e meios de pesquisa em tempo real.

Cada uma das posições coloca o professor ante desafios distintos. Se ele proíbe que os alunos utilizem seus dispositivos, vê-se ante a tarefa inglória de vigiar os alunos (o que é praticamente impossível) e passar o mico de estar sendo constantemente ludibriado. Sua aula parecerá cada vez mais chata e antiga, incapaz de motivar os alunos. Além disso, é claro, o fato de os alunos não estarem na internet não garante em absoluto que eles estejam prestando atenção. Todos nós que estudamos antes da existência destes dispositivos desenvolvemos mecanismos eficazes de alheamento para aulas chatas. Sempre soubemos manter uma máscara de interesse enquanto viajámos em fantasia.

Se o professor autoriza o uso, ele se vê pressionado pela concorrência dos estímulos “extra”: é insuportável a cena corriqueira na qual dois ou mais alunos se acumulam sobre uma tela conversando e rindo. Mas, mais do que isto, o professor se verá ante novos desafios: a aula precisará manter-se interessante o tempo todo (o que é inviável) e dificilmente poderá controlar se o aluno está acompanhando a aula ou numa rede social, ou as duas coisas. Além disso, poderá ser questionado a cada momento pelos alunos que conferem as informações pela rede. Ter sua autoridade desafiada por alunos bem informados pode ser bem desconfortável ao professor.

Embora o debate sobre o meérito da questão seja sempre bom, o desfecho parece inevitável. A posição que veta o uso da internet resulta conservadora- em nome dos bons valores do passado- e só será efetiva com o uso de mecanismos de coerção. Ainda que vivamos um momento de ascensão conservadora dos costumes, tentar fazer o tempo parar não costuma ter bons resultados. Vemos progressivamente estes mecanismos serem incorporados à vida, de uma forma geral, e as instituições de ensino simplesmente não podem se distanciar da realidade, por definição.

Voltando às matérias jornalísticas citadas, parece que vai nascendo um modo criativo de integrar e incluir ao ensino a realidade do mundo da informação. Esta tarefa também é a nossa. E as escolas citadas ainda tiveram a sensibilidade de incorporar este uso à noção de uma construção coletiva de conhecimento. Perfeito.

Já sabemos há anos que não é mais a função das instituições de ensino transmitir informações. Os alunos tendem a ter mais acesso a elas que nós. Nosso trabalho já tem sido o de oferecer aquilo de que mecanismos de busca não dispõem: instrumentos de reflexão e organização da massa de informações: ou seja, cultura, teorias, narrativas. Não podemos concorrer com o grande feed de notícias. Mas podemos nos dispensar de fornecê-lo e nos concentramos naquilo que nos cabe: produção de sentido, historicização, perspectiva. Nisto, professores continuam sendo imbatíveis.

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