Projeto de lei prevê a proibição de veiculação de imagens de pessoas fumando na TV aberta.

Denise Fabretti

A ‘Agência Câmara Notícias’ divulgou, no início deste ano (19/01/23), o projeto de lei de autoria da deputada Flávia Moraes (PDT- GO) que propõe a proibição, para as TVs abertas, de veiculação de imagens de pessoas fumando em materiais audiovisuais tais como filmes, minisséries, seriados, etc.

O entendimento da autora da proposta é no sentido de que “o hábito de fumar é estimulado pela exibição de imagens em novelas, minisséries e reality shows, nos quais os artistas ou participantes fumam ostensivamente”(https://www.camara.leg.br/noticias/932758-projeto-proibe-veiculacao-de-imagens-de-pessoas-fumando-na-tv-aberta/).

Assim, o projeto prevê que, caso as emissoras de TV aberta veiculem essas imagens, haverá a suspensão da programação por 5 minutos para cada minuto, ou fração de minuto, de divulgação do conteúdo proibido.

Convém ressaltar que a proposta não faz distinção entre o merchandising de marcas de cigarros e produtos derivados do tabaco e a veiculação de conteúdos culturais onde, em determinadas situações, há a presença de fumantes.

Se o citado projeto de lei prosperar, na prática, muitos filmes, novelas, minisséries e seriados antigos, não poderão mais serem exibidos em TV aberta uma vez que o corte da participação ou de cenas de personagens fumantes pode tornar total ou parcialmente sem sentido a obra audiovisual dificultando, assim, a sua compreensão por parte do público.

Histórico da proibição da publicidade de produtos derivados de tabaco no Brasil. A Lei 9294/96 inicialmente criou restrições de horário para a publicidade de cigarros e produtos derivados de tabaco bem como estabeleceu, em seu art. 3º § 1º, restrições tais como: não sugerir o consumo exagerado ou irresponsável, nem a indução ao bem-estar ou saúde, ou fazer associação a celebrações cívicas ou religiosas( I); não induzir as pessoas ao consumo, atribuindo aos produtos propriedades calmantes ou estimulantes, que reduzam a fadiga ou a tensão, ou qualquer efeito similar(II) ; não associar ideias ou imagens de maior êxito na sexualidade das pessoas, insinuando o aumento de virilidade ou feminilidade de pessoas fumantes(III); não empregar imperativos que induzam diretamente ao consumo(IV); não incluir, na radiodifusão de sons ou de sons e imagens, a participação de crianças ou adolescentes, nem a eles dirigir-se(V); não associar o uso do produto à prática de esportes olímpicos, nem sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas ou ilegais(VI).

A partir do ano 2000, foram criadas novas restrições como: não associar o uso do produto à prática de atividades esportivas, olímpicas ou não, nem sugerir ou induzir seu consumo em locais ou situações perigosas, abusivas ou ilegais; (Redação dada pela Lei nº 10.167, de 2000); não incluir a participação de crianças ou adolescentes.(Redação dada pela Lei nº 10.167, de 2000) até se chegar a proibição total das propagandas de cigarro e derivados do tabaco. Atualmente os cartazes em pontos de venda devem informar os malefícios do produto.

Além disso foram proibidas : a venda por via postal; a distribuição de qualquer tipo de amostra ou brinde; a propaganda por meio eletrônico, inclusive internet; a realização de visita promocional ou distribuição gratuita em estabelecimento de ensino ou local público, o patrocínio de atividade cultural ou esportiva; a propaganda fixa ou móvel em estádio, pista, palco ou local similar; a propaganda indireta contratada, também denominada merchandising, nos programas produzidos no País após a publicação desta Lei, em qualquer horário; a comercialização em estabelecimento de ensino, em estabelecimento de saúde e em órgãos ou entidades da Administração Pública a venda a menores de dezoito anos. ( Lei nº 10.702, de 14.7.2003)

Convém ressaltar que estudos realizados entre 2011 e 2013 (https://memoria.ebc.com.br/noticias/saude/2013/05/restricao-de-propaganda-de-cigarro-levou-33-dos-brasileiros-a-deixarem-de) demonstram que, com a proibição efetiva das propagandas de cigarro e do ato de fumar em locais fechados, 33% dos fumantes deixaram esse hábito.

Decisões Recentes Em 2021 a ANVISA publicou uma resolução(RDC 558 de 2021,) que estabeleceu novas regras a respeito da comercialização e exposição de produtos fumígenos para venda. E nessa resolução manteve a proibição da venda de produtos derivados do tabaco pela internet.

Em 19 de setembro de 2022, o STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria que pretendia declarar inconstitucional as regras que estabeleceram a proibição de propaganda de cigarros nos locais de venda e aumentaram o espaço sobre os malefícios do fumo nas embalagens de cigarros. No entendimento da Confederação, essas restrições seriam contrárias aos direitos de liberdade de expressão, informação, iniciativa econômica e liberdade de concorrência.

No entendimento da ministra Rosa Weber, presidente do STF, a restrição à propaganda e as advertências sanitárias são medidas eficazes no combate à “epidemia do tabaco”, responsável por 161.853 mortes anuais no Brasil. (https://ww.conjur.com.br/2022-set-14/stf-valida-proibicao-propaganda-cigarro-mantem-advertencia)

Todavia, noticiários demonstram que existem várias ações promocionais da indústria de cigarros cuja finalidade é alcançar o público jovem. Seja pelo uso ilegal de influenciadores digitais, seja em ações de divulgação do produto em baladas, shows e eventos frequentados por adolescentes e adultos.

Observa-se a necessidade de um controle maior, pela administração pública, no sentido de fazer cumprir as normas vigentes.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária- CONAR efetivamente vem trabalhando no sentido de coibir ações ilegais e não éticas por parte da indústria de cigarros. Em 2013 recebeu denúncias sobre cartazes em pontos de venda em que o público denunciou anúncio de um fabricante que associava a independência e a liberdade ao uso do cigarro. A publicidade foi suspensa pela entidade.

Em 2017 , abriu processo investigatório contra a os anunciantes que estariam fazendo uso das redes sociais para influenciar o público a consumir seus produtos. (https://revistapegn.globo.com/Negocios/noticia/2017/10/conar-vai-investigar-suposta-campanha-de-cigarros-em-rede-social.html). A ação resultou em sustação das imagens e advertência ao fabricante de cigarros e 14 blogueiros.

Liberdade de Expressão, Direito ao Acesso à Cultura X Saúde Pública

Os questionamentos que surgem dessa proibição é a seguinte: Qual o bem maior que está em discussão na proposta legislativa que prevê a proibição da divulgação de obras audiovisuais que contenham imagens de fumantes em seus contextos? Saúde ou liberdade de expressão? Essa discussão é relevante principalmente ao se considerar os impactos dessa medida em filmes, séries, novelas antigas.

A interferência do Estado nas divulgações de obras culturais é legítima? É constitucional? Se a condição de fumante é inerente à um determinado personagem, para caracterizá-lo em uma obra audiovisual, a interferência do Estado na criação artística e na liberdade de expressão em obras antigas, torna-se censura ou tem um fundamento maior que seria a saúde da população?

A liberdade de expressão não constitui um direito ilimitado como, aliás, nenhuma liberdade tem essa característica. Para se determinar o campo de validade das liberdades constitucionais e garantidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, é necessário determinar, também, os seus contornos.

Dessa forma, a liberdade de expressão tem o seu campo de atuação limitado por direitos da sociedade tais como: direitos da personalidade ( honra, imagem, privacidade e intimidade dos indivíduos); direito ao acesso à informação (que não pode ser violado por notícias falsas e mentirosas que desrespeitam o direito à informação adequada e clara); o direito à igualdade (que não pode ser desrespeitado por discursos de ódio contra a diversidade tais como raça, orientação sexual, etc.); direito à integridade física (que não pode ser desrespeitado por manifestações que incitam à agressão e a violência), etc.

De acordo com o entendimento da ministra do STF, Rosa Weber, o controle do uso de tabaco por parte do Estado, tem fundamentos nos cuidados com a saúde pública. As políticas desenvolvidas pelo Estado, ao limitarem a liberdade de expressão empresarial, devem atender ao princípio da proporcionalidade dos valores em discussão: liberdade de expressão empresarial e saúde pública. Além disso, a ministra, fundamentou seu entendimento fazendo referência a adesão do Brasil à Convenção Quadro das Nações Unidas para o Controle do Tabaco.

Caso o projeto de lei que atualmente foi encaminhado para análise da Comissão de Comunicação da Câmara de Deputados, seja aprovado, certamente o Poder Judiciário enfrentará um grande desafio. Ao Poder Judiciário compete interpretar e aplicar as normas jurídicas aos casos concretos e, portanto, ao solucionar conflitos que poderão advir da proibição de exibição de obras culturais, deverá decidir se os efeitos da proibição da publicidade de cigarros e derivados devem estender-se às divulgações dessas obras pelas TVs abertas. Deverá decidir se os pressupostos de validade dessa medida encontram amparo nos estudos e dados sobre as mortes que ocorrem em função do ato de fumar e nos compromissos do Brasil na ordem jurídica internacional e interna. Decidirá se os mesmos argumentos utilizados pela ministra Rosa Weber se aplicam às obras culturais. O desafio do Poder Judiciários será decidir se essa proibição passará a compor mais um dos contornos do campo de atuação da liberdade de expressão.

Fonte: Agência Câmara de Notícias PL-3005/2022

Denise Fabretti- Advogada e professora de Ética e Legislação no Curso de Publicidade e Propaganda da ESPM-SP

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