Pedro de Santi
Atendendo ao pedido de um grande jornal de São Paulo, que me entrevistou por e-mail sobre a publicação de selfies na internet – inclusive as já famosas selfies após uma relação sexual – enviei o texto abaixo. Nele, retomo também alguns temas de que já tratei neste espaço.
As postagens constantes dizem respeito a um mundo no qual a própria existência precisa ser comprovada a cada instante. Índices válidos anteriores de interlocução e estabilidade vêm perdendo sua capacidade de nos dar reconhecimento e estabilidade: família, emprego, amigos ou mesmo a confiança em um mundo interior rico no qual eu possa me refugiar esporadicamente e tecer monólogos produtivos.
O “mundo” não precisa de nossos posts, mas cada vez mais pessoas, em especial, os mais jovens buscam uma noção de existência através da conexão, postagem, e troca de sinais de reconhecimento: eu curto posts de amigos e pessoas que me são importantes como forma de requerer atenção e opções curtir em meus próprios posts. Há quem diga que, se um post não for comentado ou curtido em até uma hora e meia (tempo de vida útil de post no Facebook), seria melhor retirá-lo de seu perfil. Posts zerados queimam o filme.
A existência assim confirmada tem características distintas das que caracterizaram a subjetividade moderna: nesta, são elementos constitutivos uma noção de interioridade e privacidade. Numa cultura de valorização do compartilhamento, pouco ou nada sobra como reserva interior e a privacidade é um resto a ser eliminado. Os mecanismos de privacidade em mídias sociais são toscos, quase que apenas um disfarce, e muito fácies de serem driblados. O princípio é o de que tudo será acessível a todos.
Os selfies depois de transar também apontam o esvaziamento das experiências reais; elas só serão reais se tornadas públicas. A vida sexual, que poderia ser- e é para muitos- um lugar de intimidade e prazer, torna-se mais um ambiente de desempenho, e neste caso nem o pareiro real é o bastante para nos dar testemunho do acontecimento: as pessoas oferecem-se ao olhar e anseiam pelo reconhecimento deste outro virtual.
Ao se exporem em redes sociais, as pessoas dificilmente tem noção do alcance que isto tem, assim como da perda de controle sobre o conteúdo postado. Estas postagens podem gerar uma fama instantânea, como a de blogueiras adolescentes, que difundem dicas de estética ou alimentação. Mas a exposição retirada de contexto pode ter resultados terríveis: como no caso de namorados que façam para sseu prazer um vídeo íntimo e, então, percam o controle sobre ele. Por vezes, o vídeo é publicado por alguém que teve acesso ao celular de um dos participantes; por outras, um ex-namorado ressentido pode se vingar de um abandono postando um destes vídeos com a ex-namorada. Sabemos que este tipo de exposição já levou adolescentes ao suicídio.
Toda linguagem nova requer aprendizado dos usuários; e só se aprende usando. A própria velocidade da transformação das mídias dificulta o estabelecimento de uma “etiqueta” para a publicação em rede. Mas é mais interessante seguirmos aprendendo do que ter uma instância reguladora a censurar conteúdos. A legislação recente, chamada “Marco civil da internet” é bem liberal e moderna, neste sentido.
E sempre acho curioso o quanto as pessoas se mobilizam contra um controle estatal dos conteúdos da rede: vale a pena lembrar que a internet não é um território livre. As mídias sociais pertencem a empresas com interesses comerciais e que, sim, censuram e dirigem conteúdos. Cada conteúdo postado é dado de pesquisa. Mas muitas pessoas conseguem se esquecer disto ou preferem estar sob o controle de uma empresa que de um governo. Quem assim o faz, esquece-se que, bem ou mal, governos ao menos são eleitos e tem alguma obrigação para conosco; uma empresa multinacional busca exclusivamente seu interesse e é a eles que temos entregue nossos documentos, músicas e fotos em núvens de armazenamento.
O excesso de exposição indica o narcisismo que é reflexo de nossos tempos. Mas é preciso compreender que narcisismo não é simplesmente vaidade ou egoísmo, ele é o desespero em corresponder ao desejo de um outro privilegiado. Nosso narcisismo é uma oferta em busca de reconhecimento. Trata-se exatamente de se sentir amado ou simplesmente, existente aos olhos de alguém. É preciso ler estes fenômenos sem um viés moralista ou patológico que visse nisto um erro ou doença. Somos todos narcisistas e, hoje, os espelhos privilegiados são as redes sociais.