Nesta semana, acompanhamos diversas notícias sobre censura e monitoramento da vida cotidiana.
Uma das mais chamativas dizia respeito a uma das mais conhecidas escolas da cidade de São Paulo que passou a adotar câmeras em suas salas de aula.
Ante o protesto de muitos dos alunos e aprovação da maior parte dos pais, a escola buscou se justificar. Trata-se de um procedimento de segurança e garantia ao patrimônio da escola. De quebra, as câmeras seriam um instrumento de controle disciplinar; bagunça e bulling poderiam assim ser inibidos ou, caso ocorressem, os responsáveis seriam identificáveis.
Parece-me, no entanto, que ao adotar este monitoramento, a escola acaba por reconhecer a sua falta de confiança na capacidade de aprendizado e gerenciamento das situações de relação pessoal tanto da parte dos alunos, quanto dos professores. Ao menos se entendemos que o processo educativo consista exatamente em procurar despertar e internalizar processos de aprendizagem e sociabilidade.
Quando crianças pequenas, tendemos a impor nosso desejo de forma direta e primária: o outro só existe enquanto objeto de acesso ou privação de nosso desejo. Com o tempo, aqueles que são responsáveis por nossa educação passam a nos assinalar que determinados comportamentos não são aceitáveis, que os outros também têm necessidades e sofrimento, e não têm que estar à nossa disposição, etc. Por medo de perder o amor daqueles que têm como referência, a criança passa então a se controlar, ao menos quando está diante deles. Esta é a vergonha: ela depende do constrangimento sob o olhar do outro.
O processo de constituição subjetiva só se cumpre, no entanto, quando os valores simbólicos de nosso ambiente social são internalizados de modo que, mesmo sós, não realizemos os atos que aprendemos ser nocivos ao outro ou contra a lei simbólica sob a qual vivamos. Esta, agora, é a culpa. Ainda que seja um sentimento tão sofrido, ele aponta para a consciência e cuidado para com o outro.
Na medida em que o olhar dos “cuidadores” da criança (ou do Estado, ou da rede social) se torna onipresente, desfaz-se a condição de emancipação subjetiva e internalização dos valores da cultura. Desfaz-se (ou não pode se constituir) o laço simbólico que deve intermediar as relações. Só nos detemos por vergonha, quando flagrados.
Além disso, a fantasia de conforto em termos nossa vida e a dos nossos próximos monitorada só é acalentada quando imaginamos que o monitor compartilhe rigorosamente de nossos próprios valores. Isto não costuma acontecer. Pelo contrário, ficamos expostos e nos sentimos perseguidos pelo arbítrio de sabe-se lá quem. Teremos então uma sociedade de Big brothers e paranoicos.
Se a escola desiste de educar, o que nos resta?