Para que serve um pai de criança pequena, na publicidade?

Pedro de Santi

Em anúncios para revistas dedicadas aos cuidados às crianças, os pais tendem a aparecer quando a criança já tem mais de um ano. Nas campanhas que envolvem bebês, o pai aparece pouco e, em geral, como guardião da família; é raríssima a representação de um pai prestando cuidados básicos ou contato afetivo. Como se pode presumir, isto só se dá nas proximidade do dia dos pais.

Quando a campanha tematiza crianças com mais de uma ano, a resposta é outra: os pais regularmente são representados na função de brincar.

Assim consta na tese de Maria Collier Mendonça. Ela é nossa ex-aluna na ESPM e acaba de concluir seu doutorado em Comunicação e semiótica, sob a orientação do psicanalista Oscar Cesarotto na PUC-SP, com o título: “A maternidade na publicidade. Uma análise qualitativa e semiótica em São Paulo e Toronto”.

A questão da representação do pai na publicidade não é seu objeto específico de investigação, mas comparece como termo de comparação.

Maria Mendonça observa que esta representação não parece corresponder às formas contemporâneas de exercício da paternidade, mas a publicidade teria a tendência a ser relativamente conservadora.

Daqui, duas perguntas: cabe à publicidade buscar uma correspondência maior com a realidade, ou ainda, indicar direções? Representar os pais brincando com as crianças é reduzi-los a um papel acessório?

Tendo a responder que não para as duas perguntas. A publicidade é uma atividade de comunicação e compõe suas representações de forma bastante pragmática em função de seu objetivo específico em cada ato comunicativo. Não se deve esperar da publicidade o papel da antropologia ou do jornalismo. É provável uma comunicação conservadora talvez remeta a um ambiente conservador, como o que temos mas evitamos assumir.

De outro lado, não me parece que a associação dos pais como aquele que brinca seja privada de sentido. Não há dúvidas de que as funções maternas e paternas se embaralharam nas últimas décadas, mas a comunicação dirigida a uma comunidade tende a recorrer a imagens consolidadas, míticas e de leitura imediata. Associamos a função materna aos cuidados básicos e a paterna à inserção no mundo social (limites, leis e cultura).

Talvez, a linguagem conservadora da publicidade expresse- sem querer ou querendo- através da aparente superficialidade do brincar um aspecto fundamental da função paterna. O brincar diz respeito ao exercício da fantasia compartilhada com o outro, intermediada por regras; a negociação entre o mundo interno e a alteridade, numa relação menos intensa com o outro do que aquela que nutrimos com aquela que é nosso primeiro objeto de amor.

Na triangulação mítica “pai, mãe, filho”, o pai representa o interditor que rompe a fusão da criança com a mãe: isto pode ser vivido como a ação de um vilão terrível, mas também como a do salvador, que cria distanciamento e espaço de uma presença excessiva para que a criança ganhe autonomia subjetiva.

Quem exerce a função paterna nem sempre é brincalhão, pelo contrário, aliás. A função demanda muitos “nãos” e renúncias. Mas mesmo que não se perceba, a função instaura uma dimensão lúdica, de jogo nas relações pessoais.

Expressar o ingresso na socialização por meio do brincar é mais amigável que através do disciplinar. Não se deve subestimar a inteligência dos publicitários.

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