O preço de uma “rapidinha”

Por Cézar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

Abro a Folha da última sexta-feira e encontro uma matéria de página inteira sobre um casal de namorados flagrados numa transa numa das escadarias do Copan. Executando a lei, segundo a qual transar em local público constitui atentado ao pudor, a administração do edifício aplicou multa no valor de um salário mínimo, a qual foi paga pela moça que protagonizou o episódio. O síndico do Copan declarou, por sua vez, que o ato fora “simplesmente depreciativo”.

Cada cidadão vive sob as penas das leis do país em que reside e  transgredi-las pode redundar em punição. Considerando-se que o referido casal se declarou ciente do ato que praticava, não pode reclamar das consequências. Mas a garota foi mais longe e criou uma página, “peripécias no Copan”, no site Vakinha, na qual expõe seu caso (sob o nome fictício de Alana Milesi, 25) e pede contribuições para ser ressarcida do valor da multa.

Se o gesto de transar na escada é libertário, transgressor, contestador, fantasioso, ou talvez uma combinação de desejo e falta de grana para se recolher a um lugar privativo, não vem ao caso. O que interessa é que ele foi reduzido a um preço. Entre as quase 10.000 pessoas que entraram no site na primeira semana, as doações (somadas e ainda não confirmadas) não haviam ultrapassado vinte reais! Um dos comentários dizia: “Cobra do cara que te catou pelo menos 50%”.

A atitude de querer ser ressarcida pelo “prejuízo” decorrente da multa, leva a supor que se ela não tivesse sido aplicada, a moça provavelmente não se manifestaria. Desse modo, a transa no espaço público da escada se esvaziou do possível significado que poderia ter para os amantes e virou uma questão de dinheiro. Como a Parada Gay de São Paulo. Uma manifestação que na sua origem tinha um sentido contestador e político, transformou-se num evento mercadológico. A mídia informa sobre o número de participantes, mas muito menos como reivindicadores de uma causa e mais como pessoas que movimentam “x” milhões em hotéis, aeroportos, baladas… Este ano criou-se até uma feira de produtos voltada para as preferências homossexuais, lésbicas e transexuais.

É tudo o que o sistema quer: canibalizar as reivindicações das minorias, dos assuntos tabus e das lutas libertárias. A Parada Gay transforma-se em  negócio, a transa na escadaria deve ser ressarcida em numerário e o Che Guevara vira capa do estepe de um automóvel.  Índices de uma sociedade globalizada em que a única aventura e a única democracia parecem ser o consumo, franqueado a todos que estiverem com o dinheiro na mão.

Comentários estão desabilitados para essa publicação