Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares
Que o programa do Jô tem ibope ninguém duvida. E os convidados não podem supor que suas declarações passarão em branco. Assim, subitamente o Brasil ficou mais doente. Se já era difícil acreditar no discurso do governo (Dilma, FHC, Collor e tutti quanti) no que diz respeito às políticas para a saúde, agora tudo se complicou com a denúncia sobre a possibilidade de o diploma do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, ser falso. Mais precisamente: sua especialização em infectologia parece ter sido forjada.
Uma rápida consulta na internet oferece farto material. Em meio à denúncia, os ânimos se inflamam e as farpas alfinetam todos. Há várias matérias na imprensa e na internet falando do falso doutorado da presidenta Dilma em economia. Pura calúnia, pois materiais de arquivo mostram a própria presidenta, à época da campanha, informando que nunca concluíra seu projeto de um doutorado na UNICAMP.
Se o diploma do Ministro de fato é falso, a questão é grave e ele deveria ser punido nos termos da lei. O problema é que isso não é nenhuma novidade entre nós. Sérgio Buarque de Holanda lembra que na ARTE DE FURTAR, atribuída ao Padre Manuel de Castro, redigida em meados do século XVII e oferecida ao rei de Portugal D. João IV, seu autor informa, por exemplo, que naquela época “mais de cem estudantes colavam grau na Universidade de Coimbra anualmente, a fim de obterem empregos públicos, sem nunca terem estado em Coimbra”.
Transposta para a Colônia, esta realidade foi potencializada. Como o próprio Buarque teoriza em RAÍZES DO BRASIL, a ausência de uma nobreza de sangue entre nós desde cedo foi preenchida pelo fascínio pelo anel de doutor e pelo diploma. E hoje, 2014, é só estacionarmos o carro em qualquer posto de gasolina ou lojinha de conveniência, para o funcionário, diante do nosso status de proprietários de um veículo (nem que seja um carro popular financiado em 800 prestações) se dirigir a nós com um “Fala doutor”. Ranços da colonização, da escravidão, do status, dos privilégios num país de milhões de pobres e miseráveis e um punhado de doutores e bilionários.
Por outro lado, a posse de diplomas autênticos também pode não dizer muita coisa. Nosso ex-presidente FHC sempre foi admirado no mundo acadêmico, aqui e no exterior. Redigiu várias teses, publicou mais de 30 livros e muitas das ideias neles contidas com certeza foram decisivas para o voto de parte do seu eleitorado. E, depois de eleito, saiu-se com uma das pérolas que irão ficar na história do pensamento político brasileiro: “Esqueçam o que escrevi”. Então quer dizer que teses perdem validade no tempo da apuração de uma eleição?
E assim o diploma se torna uma faca de dois gumes. Veja-se o que está acontecendo com várias das chamadas “escolas de elite” em São Paulo: a composição de seus quadros docentes apenas por professores doutores. Mas será mesmo necessário um doutor para ensinar, ou melhor, despertar o interesse de um adolescente pelo conhecimento do mundo que o cerca e deixar aflorar nele seus naturais talentos? Será necessário um especialista em Proust para despertar o gosto pela leitura num aluno do curso fundamental?
Mas o título dá credibilidade à escola. E assim o diploma torna-se um álibi da mesma para tentar segurar a disciplina numa realidade em que o aluno é cliente e possíveis punições (por falta de disciplina ou qualquer outro motivo) podem redundar em processo.
Para ler outros textos do Professor Veronese, acesse blog CPV (link Dicas Culturais do Verô).