Por Cléber da Costa Figueiredo
Desde a antiguidade, nada incomodou tanto o homem quanto a explicação dos fenômenos da natureza e a busca por uma elucidação dos fenômenos físicos. E disse Deus: Haja luz. E houve luz (Gênesis, 1:3.). E a confusão estava instaurada, ou melhor, a busca pela explicação dos fenômenos físicos e naturais. Nesse axioma tão conhecido do mundo ocidental, Moisés dá uma explicação simples para um fenômeno complexo que é a luz. Com a luz, desenvolveu-se a visão e a observação. Ao se observar o axioma da criação, segundo Moisés, percebe-se que houve uma tentativa de explicar a criação com os recursos científicos que Moisés dispunha. Como toda busca pela cientificidade, era necessária alguma definição e, desse modo, no segundo dia da criação, mesmo ainda não estando definido o que viria a ser o Sol nem a noção de dia, o Dia e a Noite foram criados. Como pode o Sol ter sido criado no quarto dia, se a definição de Dia e Noite data do segundo dia da criação? Contra argumentação: definições vêm em primeiro lugar e, depois, o uso delas.
Platão, no início do século IV a.C., tentou resumir que o Universo deveria ser explicado em função de formas e figuras perfeitas. A observação dos gregos mostrou que o Sol não retornava ao seu ponto de partida, após vinte e quatro horas. Havia um deslocamento. Dessa ideia da explicação do Universo por figuras perfeitas, o caminho que o Sol percorria em torno da Terra, a eclíptica solar, só poderia ser descrito por um círculo. Nada de elipses. Várias horas em observação dos fenômenos eram necessárias, a fim de se ter um insight. A observação em torno do Sol continuou. Os gregos perceberam que existiam dois dias no ano em que o Sol se erguia exatamente a Leste e se punha a Oeste. Eram os únicos dias em que o Sol permanecia em igual período abaixo e acima do plano do horizonte; eram os chamados equinócios, que transmitiam a ideia de que as noites tinham a mesma duração, quando ocorriam esses dias.
— Não compreendo muito bem o que dizes. — Sem dúvida, compreenderás mais facilmente depois de ouvires o que vou dizer. Sabes, penso eu, que aqueles que se dedicam à geometria, à aritmética ou às outras ciências do mesmo gênero pressupõem o par e o ímpar, as figuras, três espécies de ângulos e outras coisas da mesma família para cada pesquisa diferente; que, tendo pressuposto estas coisas como se as conhecessem, não se dignam justificá-las nem a si próprios nem aos outros, considerando que elas são evidentes para todos; que finalmente, a partir daí, deduzem o que se segue e acabam por alcançar, de forma conseqüente, a demonstração que tinham em sua vista. (PLATÃO, 2004, p. 222-223, grifos nossos).
No trecho supracitado, Platão estabelece o paradigma de modelagem da época: o conhecimento das figuras perfeitas provenientes da geometria ou de ciências correlacionadas a ela. É importante notar como o cientificismo grego acreditava que toda a dedução ou demonstração se pautava unicamente nesses conhecimentos. O interessante é que hoje se nomeia esse dom de entender e perceber as coisas, como uma coloquial “sacada”, ou como pode ser mais formalmente empregado em teorias de aprendizagem, como um “estalo”, tão próprio e tão restrito a poucos, a ponto de não se considerar “evidente para todos”. Mais adiante, em A República, Platão enaltece o sentido da visão e traça um paralelo entre o que é real e o que é abstrato.
— Porém, de todos os órgãos dos sentidos, o olho é, no meu entender, o que mais se assemelha ao Sol. (…) — Como assim? Explica-me isso. — Tu sabes, logicamente, que os olhos, quando contemplam objetos cujas cores não são iluminadas pela luz do dia, mas pela claridade dos astros noturnos, perdem a acuidade e parecem quase cegos, como se não fossem providos de visão clara. (PLATÃO, 2004, p. 220, grifos nossos).
Como exemplo da modelagem da época, Platão exemplifica a diferença entre o real é cognoscível através de proporcionalidade. Para ele, o real é tido como um pedaço de segmento de linha que pode ser dividido em outros pequenos segmentos. O conhecimento abstrato, por sua vez, é a projeção das partições do primeiro segmento de linha em um segundo segmento, em que cada uma das partições reais deve ser proporcionalmente mantida no segundo fio de linha. Era a forma que se tinha de buscar no mundo das ciências uma explicação determinística para questões abstratas. O ser, a partir do real, deveria através de análises estabelecidas por hipóteses, como a manutenção das proporções do exemplo acima, chegar a conclusões. Tais análises ancoravam-se unicamente no mundo das ideias, por meio da observação. Precisava-se ter visão, consequentemente, o conhecimento. Essa era a modelagem da antiguidade. Será que alguma coisa mudou?
Referências bibliográficas
BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada. Trad. João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969. Edição Revista e Corrigida.
PLATÃO. A República. Trad. Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 2004.