Pedro de Santi
Nas últimas duas semanas, tivemos na Academia de Professores da ESPM, organizada pela Profa. Ana Lupinacci (também diretora do curso de Design), um curso intitulado “Desmitificando o Big Data”, com o colega professor Eduardo Francisco.
O curso foi excelente tanto pela qualificação do professor, quanto por seu humor e generosidade. Em geral, não temos muitas oportunidades de ver colegas professores exercendo seu ofício; quando isto acontece, a gente se surpreende com o nível de nossos pares. Foi um privilégio, neste caso.
A despeito da dificuldade de definir o que seja Big Data, é evidente que se trata de um poderoso instrumento de pesquisa para qualquer área, que apenas começamos a explorar. Ele parece poder tornar obsoletos os mecanismos de coleta do Censo do IBGE e trazer dados muito mais abrangentes e em intervalos infinitamente menores.
Da perspectiva das pesquisas sobre comportamentos de consumo, ele parece superar em muito o alcance das pesquisas feitas com os consumidores. Como psicanalista, sempre me pareceu ocioso perguntar a alguém o que consome e o motivo pelo qual o faz. Temos todos um alto grau de desconhecimento de nós mesmos e há um abismo entre o que pensamos fazer e o que fazemos. O Big Data mapeia o que é feito, para aquém de nosso auto-engano.
Uma das “graças” do Big Data é o chamado efeito “Wow!”. Ele diz respeito ao susto que tomamos ao recebermos uma notícia ou ação publicitária instantaneamente após pesquisarmos algum item ou ingressarmos em algum estabelecimento comercial. É aquela sensação de que deve haver alguém vigiando nossos passos a todo instante e nos enviando propagandas absolutamente pessoais e específicas. Tendemos a pensar antropomorficamente, e deduzimos que haja uma pessoinha dentro de um computador, a nos enviar mensagens personalizadas.
Ou seja, aquele efeito se dá quando tomamos consciência de que toda a nossa movimentação está sendo constantemente monitorada. Tudo o que está conectado (telefones, Smart tvs, cartões de debito ou crédito, etc) podem fornecer informações, mesmo desligados, ao que parece. Isto tudo é maravilhoso e assustador e a questão, como sempre, será saber por quem e com quais finalidades este instrumento será usado.
Aqui começo minha reflexão. Há algo de francamente paranoico nesta experiência de monitoramento total.
Mas me pareceu que o uso efetivo do Big Data não é proporcionar o efeito “Wow!”; quase ao contrário, ele acaba sendo usado para evitar sobressaltos. O espanto que ele proporciona é dado por sua novidade e instantaneidade. Mas o que ele nos devolve é um princípio fortemente identitário. Mais do mesmo.
As mensagens publicitárias passam a nos realimentar repetitivamente com os mesmos produtos; os mecanismos de sugestão da música para ouvir, filmes para assistir, pessoas para se conectar buscam indicar coisas e pessoas por critério de semelhança com relação àquilo com que temos alimentado os bancos de dados. Em suma, há uma presunção de que queiramos sempre e apenas mais do mesmo.
A internet traz todas as ambiguidades das coisas humanas. Ela parece poder nos abrir para um acesso infinito a tudo. Lembro do filósofo Michel Serres, em seu livro Polegarzinha, que observa que quem hoje é adulto, conheceu pessoas em lugares próximos (vizinhança, escola, clubes) e que jovens atuais conhecem pessoas pela rede, o que lhes daria o potencial de conhecer pessoas de um espectro muito mais amplo de perfil. Mas parece que, psicologicamente, a agente se assusta com este efeito “Wow!”, esta abertura à variedade e excesso.
Aqueles que programam o que o Big Data deve nos devolver como informação seguem uma direção conservadora: reencontrar o familiar, reafirmar o já sabido, circular em terreno seguro. E vender o que lhes interessa, é claro.
Neste sentido, curiosamente o Big Data tem funcionado de modo semelhante ao do próprio Eu. Ele é, afinal, uma ficção criada com a função de nos garantir que somos sempre idênticos a nós mesmos e com a função de nos prevenir de traumas e sobressaltos. Ele procura encaixar cada novo acontecimento em nossa rede de memória anterior. Vale dizer, todo o potencial de novidade de cada acontecimento é reduzido e encaixado aos nossas caixinhas prévias, despotencializando-o. O Eu é a soma de nossos preconceitos.
A seguir assim, o Big Data será um mecanismo que especificamente evita o “Wow!”. Se imaginarmos que o mundo é como nosso campo de amigos do Facebook, vamos chegar à conclusão de que todos pensam como nós, tem os mesmos valores e repertório. O efeito “Wow!” virá mesmo quando sairmos das telas e encontrarmos gente na rua, não pré-selecionada ao nosso sabor.
O Big Data como tem sido usado pode reafirmar, para o bem e para o mal, a fantasia infantil de o mundo é autorreferente.