União Europeia celebra 60 anos em meio a incertezas

Para os líderes da União Europeia (UE), o encontro em Roma para comemorar o 60o aniversário do tratado de fundação do bloco, pretendia ser uma celebração genuína de um experimento bem-sucedido visando a reconstrução de um continente marcado pelas cicatrizes de duas guerras mundiais.
Mas o Brexit, o mal-estar econômico, a imigração, a hostilidade russa, a indiferença dos Estados Unidos e o crescente ânimo nacionalista em toda a Europa estragaram a festa de aniversário, como mostrou matéria distribuída pela agência Dow Jones, assinada por Valentina Pop, publicada no Valor de 25/03
Essa nuvem de problemas, claramente reforçada pela ausência da primeira-ministra britânica Theresa May na comemoração de amanhã, revela profundas divisões entre as nações mais ricas e mais pobres do bloco, entre os falcões fiscais no norte e as nações devedoras no sul, e entre países ex-comunistas do leste e países membros do oeste.
Manter sintonizadas as seis nações que originalmente assinaram o Tratado de Roma em 1957 – que dirá as 22 que aderiram posteriormente – parece agora um grande desafio.
A crise econômica na zona euro, que atingiu seu auge em 2012, prejudicou gravemente o crescimento em toda a Europa, aumentou o desemprego e expôs uma falta de competitividade entre os 19 membros da UE que usam o euro e constituem a união monetária.
A crise migratória, três anos mais tarde, expôs as divisões do bloco, enquanto os governos discutiam publicamente sobre quem era o culpado, e os países da Europa Central e Oriental recusaram-se a permitir que Bruxelas estabelecesse cotas para admissão de refugiados.
Agora, o bloco observa nervosamente o avanço de Marine Le Pen, de extrema-direita e anti-UE, para a liderança nas pesquisas para o primeiro turno das eleições presidenciais francesas no próximo mês, e de um partido populista anti- islâmico e antieuro na Alemanha progredir nas eleições parlamentares que serão realizadas em setembro.
Para alguns membros da UE, a cura para os males do bloco é outra ideia galvanizadora que, de alguma forma, poderia ser codificada na declaração que deverá culminar a comemoração neste fim de semana.
Mas propostas arrojadas, como um Exército Comum ou um sistema europeu de aposentadoria, não receberam apoio dos líderes da UE. Antes da cúpula, a ideia de graus mais frouxos de integração na UE também não recebeu apoio suficiente.
Os signatários originais do tratado – França, Alemanha, Itália e os Estados do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) – reconfiguraram como “Europa de multivelocidades” a antiga ideia de fazer a zona euro avançar com maior integração econômica e política. Ao mesmo tempo, os oito membros restantes do bloco após o Brexit manteriam vínculos mais frouxos.
O ex-premiê italiano Enrico Letta diz que “a Europa de várias velocidades” é “a única maneira de manter os 27 unidos, e permitir que os países centrais, fundadores da zona do euro, avancem mais além, caso queiram”.
O bloco, argumenta ele, tornou-se demasiado heterogêneo e as divisões sobre o equilíbrio de poder demasiado profundas para que a união funcione eficientemente.
Mas os países da Europa Central e Oriental continuam a se opor à “a Europa de várias velocidades”, e têm rejeitado os esforços para consagrá-la no documento de encerramento deste fim de semana.
Embora o grau de integração entre os membros do bloco europeu hoje varie amplamente – por exemplo, nem todos os países da UE compartilham o euro e viagens sem fronteiras -, esses países temem há muito tempo que tal esquema venha a significar menos subsídios.
Mais recentemente, eles também passaram a ver isso como uma punição por sua relutância ou recusa em acolher refugiados de países muçulmanos.
Radoslaw Sikorski, ex-ministro das Relações Exteriores da Polônia, diz que “a Europa de várias velocidades” é hoje uma realidade em muitos aspectos, e alguns políticos de sua região o equiparam a uma “Europa em duas velocidades”, onde a periferia não teria voz sobre as decisões tomadas pelo centro.
“Duas velocidades é algo que os países centrais veem como necessário para preservar a zona do euro e algo que a periferia considera ser uma apropriação de poder”, diz ele.
Sikorski diz que a divisão econômica entre o leste e o oeste do bloco está se estreitando e não perdurará. Em poucos anos, alguns países da Europa Central, como a República Tcheca, deixarão de ter direito a subsídios da UE destinados a regiões mais pobres, disse ele.
Citando a vitória do primeiro-ministro Mark Rutte sobre o candidato anti-UE Geert Wilders nas eleições holandesas no início deste mês, Sikorski acredita que os ventos nacionalistas que impactam a UE vão se abrandar.
“Espero que Brexit e [o presidente americano Donald] Trump, Marine Le Pen e a ciberguerra russa tenham nos assustado o suficiente para considerarmos o que estamos prestes a perder”, disse ele.
Mas talvez ainda não. Ontem, a primeira-ministra da Polônia, Beata Szydlo, disse que não assinará amanhã a planejada declaração, a menos que reflita a exigência de seu país de que a unidade do bloco seja preservada.
Nesta semana, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, também ameaçou bloquear sua aprovação, a menos que houvesse progresso nas negociações com credores internacionais.
No fim da reunião, provavelmente haverá uma declaração “moderadamente ambiciosa”, disse o ex-primeiro-ministro finlandês, Alexander Stubb. “Mas isso não mudará o mundo como a declaração original de Roma fez”.

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