Nas empresas digitais, vai acabar o almoço grátis. E você vai pagar a conta!

Claudio Sunao Saito

Nos últimos anos, ficamos maravilhados com as possibilidades geradas pela evolução das tecnologias digitais. Desde o icônico lançamento do iPhone, com Steve Jobs em 2007, muita coisa mudou em nossas vidas, ao ponto de nos perguntarmos se sobreviveríamos atualmente sem um smartphone.

Não é um equipamento barato, mas com um smartphone, as fronteiras se abrem e uma variedade imensa de serviços e entretenimento podem ser consumidos sem muito custo. Com o Uber, uma pessoa não precisa ter carro para se locomover confortavelmente para qualquer destino, bastando apenas tocar a tela. Da mesma forma, toda refeição é facilitada com o aplicativo do Ifood, que oferece acesso a uma grande variedade de restaurantes e tipos de refeições de forma confortável e rápida.

Hoje pode-se abrir a conta em um banco sem qualquer custo e com baixa renda. Esses correntistas têm, imediatamente, acesso a diversos tipos de benefícios e rendimentos financeiros que nunca alcançaram antes. Também surgiram os cash-backs, gerendo situações onde os consumidores compram produtos e serviços nas lojas e ainda recebem uma porcentagem de volta, em dinheiro ou prêmios.

No lar, a vida das famílias também melhorou. Terminou a ditadura de horário para assistir novelas, filmes e seriados, pois provedores de streamings como a Netflix, Amazon Prime, Disney, HBO, Discovery, e outros “plus”, permitem ao cliente escolher entre uma infinidade de títulos para assistir quando quiser. Isso quando sobra algum tempo entre os reels do instagram, vídeos do TikTok e do Youtube, acessados sem nenhum pagamento se o consumidor assim desejar.

Diante disso, fica a impressão de que a tecnologia veio para que todos possam aproveitar muitos benefícios sem que tenham que pagar caro por isso. Sob essa ótica, o futuro é muito promissor, pois os consumidores pagam cada vez menos por maiores níveis de serviços e benefícios. Como dizem os consumidores da nova geração, que crescem com toda essa facilidade e tecnologia, os Apps “são perfeitos”!

Não tem como negar que nos últimos anos a tecnologia mudou muita coisa em nossas vidas, para melhor. Pessoalmente, também alterei alguns hábitos. Vendi o carro, consumo muitas refeições para entrega e não perco o lançamento de séries e filmes nas plataformas de streaming. Também passei a utilizar bancos digitais e desfrutar de benefícios adicionais gratuitos, como cartões de débito para os filhos e sistema de liberação automática de pedágios nas estradas.

Mas agora, quando nos acostumamos com todos os benefícios, as empresas estão mudando as ofertas. Sinto falta daquele cashback de 20% que o Pic-Pay me proporcionava e quero ter novamente o desconto de R$ 10,00 obtido na primeira compra pelo App das Lojas Americanas. O que está acontecendo? Onde foram parar os super descontos e promoções? Ainda existem, mas a “mamata” está chegando ao fim. A verdade é que, como diz o dito popular, “não existe almoço grátis” e a conta está chegando para as empresas, que, por sua vez, precisam reduzir os custos e obter lucro nas operações.

Quem aproveitou, aproveitou. Agora vão precisar cobrar a conta, de uma forma ou outra. Enquanto os usuários reclamam de cancelamentos de viagens e aumento de preços no mundo (Veja, 2021), a Uber finalmente teve lucro após uma década de atividade (CNN Brasil, 2021). Recentemente, com o anúncio de que só irá remunerar os clientes que mantém recursos na conta a partir de 31 dias, a Nubank está conseguindo aumentar a margem nesse momento juros mais altos (CNN Brasil, 2022b). Ao mesmo tempo, a Disney Plus supera a Netflix em número de assinantes (Valor, 2022), mas não tem lucro, enquanto a Netflix aumenta os preços (CNN Brasil, 2022a) e perde clientes (G1, 2022).

Claro que existem fatores externos que aumentam custos, como a pandemia e a guerra da Ucrânia por exemplo, mas percebe-se a ênfase no lucro que não ocorreu durante os primeiros anos de crescimento. Recorrendo à teoria do Marketing, esse fenômeno ocorre porque durante a fase de crescimento, a maioria das empresas digitais e seus investidores tinham como objetivo a busca da participação de mercado e a conquista de consumidores, muitas vezes em detrimento aos lucros imediatos.

Mas agora, parece que a conta chegou. Muitas empresas digitais têm que buscar a rentabilidade, pois a maioria delas parece ter chegado a um ponto onde o crescimento será menor e os investidores não se impressionarão mais como o crescimento da empresa, mas sim com a geração de lucros. Agora chega o momento de consolidação do mercado, ver se compensou todo o risco e investimento realizado.

Claro que não se pode generalizar, pois existem diferenças entre as categorias de produtos e diversos mercados pelo mundo. Algumas ainda podem contar com grande espaço para crescimento e outras podem passar parte dessa conta para os anunciantes. De qualquer forma, parece que aquele ritmo intenso de crescimento, com muito valor recebido e pouco custo para o consumidor, está entrando em uma nova fase.

Diante disso, quem quiser manter a comodidade, a rapidez e a facilidade no consumo de transportes, alimentação, entretenimento e serviços financeiros baseados em tecnologias digitais terá que pagar a conta. Mas, tudo bem, se valer a pena mesmo, a gente paga.

Referências

Disney supera Netflix em assinantes. Valor, 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2022/08/11/ft-disney-supera-netflix-em-assinantes-de-streaming.ghtml. Acesso em 02/09/2022.

Problemas do Uber com cancelamentos não são exclusividade do Brasil. Veja, 2021. Disponível em: https://veja.abril.com.br/coluna/radar-economico/problemas-do-uber-com-cancelamentos-nao-sao-exclusividade-do-brasil/. Acesso em: 02/09/2022. 

Netflix eleva preços em principais mercados e deixa investidores desconfiados. CNN Brasil, 2022a. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/netflix-eleva-precos-em-principais-mercados-e-deixa-investidores-desconfiados/. Acesso em 02/09/2022.

Netflix perde 970 mil assinantes, mas espera voltar ao crescimento no 3º trimestre. G1, 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/07/19/netflix-perde-970-mil-assinantes-mas-espera-voltar-ao-crescimento-no-3o-trimestre.ghtml. Acesso em 02/09/2022.

Nubank anuncia lucro líquido ajustado de US$ 17 milhões no 2º trimestre. CNN Brasil, 2022b. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/nubank-anuncia-lucro-liquido-ajustado-de-us-17-milhoes-no-2o-trimestre/. Acesso em: 02/09/2022.

Uber tem 1º lucro operacional depois de mais de uma década em atividade. CNN Brasil, 2021. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/uber-tem-1o-lucro-operacional-depois-de-mais-de-uma-decada-de-operacao/. Acesso em 02/09/2022.

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