Mercenário ou missionário empresarial de uma causa?

Marcus Nakagawa
Ouvi este termo em um debate que promovemos no evento Soul ESPM 2019, vindo de uma amiga de um negócio de impacto social maravilhoso. Fui buscar no oráculo dos termos e fontes, e achei um livro, artigos, músicas e afins, mas não muito focados no empresarial e me inspirei para escrever um pouco mais sobre este tema.
Segundo alguns dicionários, mercenário significa aquele que age, serve ou trabalha somente por dinheiro ou por vantagens que lhe são oferecidas; um interesseiro que é movido apenas pelo interesse pessoal e material. No âmbito militar, é aquele que realiza um trabalho a partir de um valor ou salário ajustado; soldado que serve por dinheiro. E para missionário, aquele que se dedica a propagar uma fé religiosa; aquele que propaga uma ideia, um princípio, uma causa etc. com o fim de angariar adeptos. Ainda temos termos como pregador e propagandista; aquele que missiona.
Sobre esta discussão já ouvi muita gente falando em evangelizar para a causa, ou pregar as questões socioambientais. Além do famoso termo que “podemos, ao mesmo tempo, trabalhar para uma causa e ganhar dinheiro”. E nestes vários fóruns, debates e palestras, já ouvi falar, também, que podemos trabalhar para vender, ganhar o lucro da empresa e ajudar os outros. Por outro lado, também já ouvi pessoas falando em vender sabonete ou iogurte com um pouco de crianças necessitadas ou animais abandonados. “Vender a pobreza e a doença junto com os produtos pode ser lucrativo”, esta foi a frase mais impactante que ouvi.
Esta é uma linha tênue? Será que temos a maturidade e casos suficientes para analisar estes tipos de trabalhos, projetos, ações e promoções?
Para as empresas que têm produtos e negócios considerados tradicionais, que não foram diretamente criados para realizar um impacto socioambiental, uma das formas de se trabalhar essa tal de causa é por meio do marketing relacionado à causa ou marketing de causas. A ideia deste conceito é uma aliança entre uma empresa e uma organização da sociedade civil, conhecida também como ONG. Neste caso, haverá um ganha-ganha, utilizando o poder de suas marcas para benefício mútuo. O mais utilizado atualmente é quando uma empresa coloca um produto para vender e doa parte desta venda para uma organização. Um dos casos mais antigos é a famosa campanha Mc Dia Feliz (https://mcdiafeliz.org.br), realizada em agosto e, neste ano, foi sua 31ª edição, ou seja, mais de 30 anos da atividade. Em 2018, foram mais de R$ 24 milhões arrecadados e em 2019 serão beneficiadas 59 instituições apoiadas pelo Instituto Ronald MCDonalds e o Instituto Ayrton Senna. A mecânica é simples, o valor de cada sanduíche Bic Mac, menos os impostos, é arrecadado e doado para essas organizações.
Reforçando este conceito e o uso dele para as empresas, o terceiro estudo de Marketing Relacionado à Causa (https://www.ipsos.com/sites/default/files/ct/publication/documents/2019-10/ipsos_marketing_causa.pdf), lançado em outubro de 2019 pela Ipsos, ESPM, Instituto Ayrton Senna e Cause, mostra que o brasileiro não conhece muito bem este termo, porém, 77% dos 1.200 entrevistados são favoráveis ao termo e 34% das pessoas consultadas disseram ter comprado, nos últimos 12 meses, produtos que destinavam parte de seu valor a causas sociais, culturais ou ambientais. E ainda, 23% afirmaram ter preferido comprar um produto que contribuía para uma causa, em vez do seu concorrente. Ou seja, é uma forma de se trabalhar a marca e apoiar uma causa.
Outro formato é o apoio direto a uma organização ou a um projeto, neste modelo de Investimento de Impacto Social, a empresa Ypê tem feito a parceria com a Fundação SOS Mata Atlântica e já plantou mais de 850 mil árvores, desde 2007, com o Projeto Floresta Ypê. A empresa tem até um comercial antigo e muito divulgado na TV aberta, falando que novas árvores são plantadas a cada produto comprado. Além de outros projetos que apoia com a Fundação, esta parceria e muita comunicação gerou uma lembrança da marca atrelada ao meio ambiente. A pesquisa Top of Mind 2019, do Datafolha, realizada com 6.618 pessoas de todo o Brasil, em 197 municípios, mostrou que as empresas Ypê e Natura foram lembradas por 5% do público quando o assunto era meio ambiente, a Ypê chegando a 7% no critério desempate devido à margem de erro. É a 13ª vez consecutiva que a Ypê vence, liderando todas as edições da pesquisa nesta categoria, mostrando que o investimento e o ganha-ganha está sendo importante para a marca e para a Fundação. (https://top-of-mind.folha.uol.com.br/2019/10/com-acoes-voltadas-a-amazonia-e-mata-atlantica-natura-e-ype-empatam.shtml)
Mas imaginem criar uma empresa com o cunho socioambiental, ou seja, já criar produtos e serviços que resolvam algum problema da humanidade ou do planeta. Estes são os negócios de impacto social e/ou ambiental. A pesquisa da Pipe Social de 2019, realizada com 1.002 negócios no Brasil, mostrou que essas organizações são novas, pois menos da metade tem mais de cinco anos, só 26% delas, e que 43% ainda não tem faturamento. É um campo novo, porém, já existem referências de empresas que dão certo, como o caso da Boomera. Henrique Brammer foi o campeão do Prêmio Empreendedor Social 2019, parceria da Folha de São Paulo com a Fundação Schwab, (https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/) mostrando que trabalhar com resíduos – mais conhecidos como lixo, reciclagem, grupos de catadores, aterros sanitários, de uma forma circular e inclusiva socialmente pode ser rentável e, ao mesmo tempo, resolver este grande problema do país. Lembrando que, numa pesquisa de 2019, feita pelo WWF, o Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo e recicla apenas 1%, por exemplo (https://www.wwf.org.br/?70222/Brasil-e-o-4-pais-do-mundo-que-mais-gera-lixo-plastico). Outra referência que o Prêmio coloca como Empreendedor Social de Futuro foi a Carambola de Gustavo Glasser, que tem uma história pessoal fantástica de superação contra preconceitos e  montou um negócio de T.I. para inserir todos os tipos de pessoas, em um mercado dominado por homens brancos, heterossexuais e de classe média-alta.
Pois é, talvez a questão não seja definir se todos estes casos são de mercenários tentando se “aproveitar” de uma causa ou de missionários usando o sistema atual da mais valia financeira para resolver problemas sociais e ambientais. Neste momento de desenvolvimento e evolução desse tema, talvez seja cedo demais para separar e definir. E, talvez, qualquer conclusão seja muito precoce, bruta ou insipiente.
Talvez o mundo e o nosso querido país precisem atualmente de menos polarização e de mais integração entre conceitos, ideologias, formas de pensar e agir. Principalmente, se o foco é resolver problemas sociais e ambientais.
 
*Marcus Nakagawa é professor da ESPM; coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental (CEDS); idealizador e conselheiro da Abraps; e palestrante sobre sustentabilidade, empreendedorismo e estilo de vida. Autor dos livros: Marketing para Ambientes Disruptivos e 101 Dias com Ações Mais Sustentáveis para Mudar o Mundo

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