MARCÃO: fragmentos de memória sobre um grande cara

Luiz Fernando Dabul Garcia

A notícia da partida do Marcus Vinicius Garreta, o Marcão, trouxe à tona um tsunami de emoções em muita, muita gente: ex-alunos, admiradores confessos ou apenas impactados por aquela figura que os acolhia de modo diferente logo na entrada do curso. E também ex-colegas, que conviveram com seu espírito livre, com suas opiniões contundentes, com seu humor diferenciado… A mim, veio de imediato a memória de nosso primeiro encontro. Eu entrando oficialmente como professor na ESPM na rua Rui Barbosa, aqui na Bela Vista (Bexiga), para minhas primeiras duas aulas semanais. Março de 1988. Entro na sala dos professores e sou recebido por ele. Que do seu jeitão me questiona quem sou, onde trabalho e que aula daria. Como ele conhecia todo mundo que eu citei, ganhei de imediato sua acolhida e acho que até alguma admiração. Virou meu “padrinho”, fazendo questão de me apresentar a tudo e todos.

Ao longo do tempo, fui conhecendo suas histórias, através de sua sempre bem articulada forma de contar, fruto de anos como advogado, como publicitário, como jornalista, como pessoa…  Também fui conhecendo suas histórias por outras pessoas, nem sempre tão admiradoras de suas aventuras.

E assim, através de sua incrível memória, conheci algumas histórias do músico, que chegou a ter cadeira cativa (eu vi – com nome gravado!) numa pequena e muito profissional casa noturna de música (All of Jazz); de sua agência de propaganda (lembro da Canopus, parece que existiram outras); de suas incursões como colunista publicitário (lembro dele no Dipo na Publicidade – coluna semanal sobre publicidade, propaganda e marketing no antigo jornal Diário Popular); nas incríveis histórias de seu sex shop por marketing direto (via correio); de sua amada Jericoaquara que depois foi forçada a dividir sua exclusividade com Barra Grande (no delta do Piauí); de suas paixões, aventuras e desventuras; de seus filhos, suas eternas paixões…

Um dia, o MEC começou a exigir que as Escolas precisavam ter um ouvidor. Como na época tínhamos apenas duas graduações, e eu era o diretor do curso de Comunicação/ Propaganda que seria o primeiro a precisar, nomeei-o para ser o Ouvidor. Não sem alguns protestos de alguns colegas, pelo perfil nada discreto dele. Nota de destaque:  nesta época o Marcão já utilizava aparelhos auditivos. Com isto, ele e eu tínhamos uma piada preferida, que era apresentarmo-nos como “pioneiros”, pois tivemos com certeza “o primeiro ouvidor surdo”. Comigo, ele sempre foi extremamente leal, parceiro e honesto. Acertamos juntos, erramos juntos, corrigimos juntos.

Com seu estilo direto, em aula, sempre foi um dos primeiros professores a levar os novos alunos a pensarem de modo claro sobre suas escolhas pela profissão. Com um jeito muito seu e que cabia naquele contexto. Sempre comento com os colegas que, se o Marcão estivesse dando aulas hoje, teríamos um grande risco de protestos e processos, por sua nem sempre delicada linguagem com os estudantes. Na época, este era um dos seus diferenciais positivos!

Por outro lado, quando ele precisava tratar dos temas mais difíceis da ouvidoria, era um craque: abordagens corretas, construções assertivas, um gentleman. Quem também gostava muito dele era a equipe de secretaria, pois conseguia muitas vezes facilitar processos e alinhar expectativas entre os processos administrativos da época e alunos. Os funcionários contemporâneos sempre comentam com saudade de sua presença.

Eu sempre achei que o Marcão fosse um highlander. Mas na verdade, era um survival. No sentido de ser um lutador. Fumou, bebou, amou, viveu… Parte do seu vício de viver lhe tornou um ser mais do que querido por quase todos com quem conviveu! Parte dos demais vícios lhe colocou em riscos, como um grande acidente de carro onde precisou reconstruir parte do rosto. Sua saúde, principalmente a pulmonar, lhe deteriorou o fôlego. Um taco de golfe virou bengala. E, pela primeira e única vez, eu autorizei a entrada em aula de um professor assistente junto com ele, principalmente nos dias em que emendava até três aulas duplas.  O Paulo Cunha e a Cris Porto tiveram o privilégio de serem “a segunda voz” na dupla. Conta o Paulo: ‘na última aula do Marcão, na última turma, eu coloquei ao final o trecho final do filme Sociedade do Poetas Mortos, “Oh Captain, my Captain”.’

Quando já estava perto de seu limite, ele fez o que esperávamos, mas não queríamos. Disse tchau e foi embora pra Jeri, onde sempre afirmou que queria viver. Nos últimos tempos aqui na escola, quando perguntavam qual seu endereço, era o de lá que ele respondia.

Avesso às redes sociais, após sua mudança tive pouquíssimas notícias dele, todas vindas de colegas e ex-alunos que lá o encontravam. O último dos meus conhecidos que o viu foi o Ismael, que posa ali na última imagem que guardo dele. Altivo, feliz, em sua desejada Jeri.  E é assim que vou lembrar dele!

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