Japão: empresas enfrentam queda no PIB e impactos da Covid-19

Alexandre Uehara

Em meados de maio, o governo do Japão anunciou o resultado negativo de 0,9% no produto interno bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2020, revertendo a tendência de crescimento da sua economia que vinha apresentando, ainda que com números modestos, desde 2015. Na verdade, o baixo dinamismo econômico vem sendo uma característica que se apresenta a partir do início da década de 1990. Mas, conforme pode ser observado no Gráfico 1, desde 2009, depois da crise econômica internacional iniciada em 2008 com a quebra de Lehman Brothers, o PIB vinha apresentando uma tendência de crescimento, apesar da retração registrada em 2014.

Mas, o que explica o desempenho da economia do Japão divulgado no último relatório de maio, colocando esse país tecnicamente em recessão, por ser o segundo trimestre consecutivos de crescimento negativo? Pode-se dizer que essa situação não é decorrente de um fator isolado, mas decorrentes de alguns elementos que têm sido responsabilizados por esse quadro, entre eles:

  1. o comércio exterior, que tem sido impactado negativamente pela disputa comercial entre os EUA e a China;
  2. o aumento do imposto sobre o consumo em outubro;
  3. a pandemia causada pelo novo coronavírus, como fator mais recente.

Em termos de comércio exterior a balança comercial japonesa já vinha apresentando déficits em 2018 e 2019 (anos calendário), respectivamente de US$ 10,3 bilhões e US$ 15,1 bilhões. No ano de 2019, particularmente, as disputas comerciais sino-americana, como já mencionadas, são apontadas como uma das razões para os resultados negativos. E, de fato, as elevações de tarifas norte-americanas sobre as exportações das chinesas parecem ter influenciado a diminuição do déficit comercial dos EUA com a China (Tabela 1), que passou de US$ 419,5 bilhões em 2018 para US$ 345,6 bilhões de 2018 para 2019.

As disputas entre esses dois países são acompanhadas com atenção, pois são também os dois principais parceiros comerciais do Japão. Para se ter uma ideia dessa importância, em 2018 a China representou 19,5% (US$ 143,9 bilhões) do total das exportações japonesas, o segundo lugar nesse ano coube aos EUA com 19,0% (US$ 140,0 bilhões). Já em 2019, houve uma queda das exportações japonesas para a China de quase US$ 10 bilhões, deslocando-a para o segundo lugar com uma participação de 19,1% (US$ 134,7 bilhões) e os EUA ficaram em primeiro com 19,8% (US$ 139,9 bilhões) com praticamente os mesmos valores em dólares do ano anterior.

A tendência de déficit no comércio exterior do Japão continuou no primeiro trimestre de 2020. Houve uma diminuição de 4,5% nas exportações totais e, também, para seus dois principais parceiros, redução de 8,2% nas vendas para os Estados Unidos e de 4,2% para China. Além disso, nesse período a participação relativa da China caiu mais 1,3 pontos percentuais, ficando com 17,8% de participação nas exportações japonesas, enquanto os EUA permaneceram em primeiro lugar com 19,3%.

Além do mercado externo, o consumo doméstico, que representa em torno de 56% do PIB, também se enfraqueceu. De acordo com os dados do Ministério dos Negócios Internos e Comunicação os gastos com consumo privado está no patamar mais baixo desde 2010. Analisando os resultados de índice de consumo março de 2020 em relação ao pico em 2019 que foi de 108,7 pontos em setembro, a queda foi de 13,8 pontos (Gráfico 2). A queda abrupta do indicador após setembro é atribuída a elevação do imposto sobre valor agregado (IVA) de 8 para 10 % a partir do dia 1 de outubro.

E, por fim, o terceiro fator apontado como influência para o resultado negativo no PIB do primeiro trimestre de 2020 foi a pandemia da COVID-19. Pelos dados do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão (www.mhlw.go.jp), em 22 de maio de 2020, esse país registrava um total de 16.513 casos confirmados e 796 mortes. Comparando-se com o Brasil na mesma data os números eram, respectivamente, 310.087 casos e 20.047 mortos. Apesar do Japão apresentar um quadro positivo em relação a contenção da doença e ser um dos países que tem números relativamente baixos de casos e vítimas da doença, isso não impediu a queda no produto interno no primeiro trimestre de 2020.

Um exemplo das consequências da Covid-19 na economia japonesa foi apresentado pela Japan External Trade Organization, por meio de uma pesquisa realizada no período de 2 a 10 de abril com as empresas estrangeiras no Japão. Pelo questionário foram obtidas 376 respostas de empresas e dentre elas 93,4% afirmaram que sofreram impactos negativos pela pandemia, sendo 62,5% assinalaram que os impactos são “negativos” e 30,9% “Ligeiramente negativo”. E para 68,4% das respostas as razões dos maus resultados estão relacionadas às quedas nas vendas e pedidos.

Esses resultados, infelizmente, não são o fim do túnel, pois as perspectivas são de um encolhimento ainda maior do PIB do Japão no segundo trimestre de 2020, acima dos 10% e algumas análises mais pessimistas cogitam que pode ser em torno dos 20% de retração. Por causa dessas perspectivas o governo Shinzo Abe tem promovido pacotes de estímulo à economia, em dezembro passado foram anunciados 26 trilhões de ienes (cerca de US$ 120 bilhões), em abril de 2020 revisando as medidas de combate ao novo coronavirus e revitalização da economia os valores subiram para 117 trilhões de ienes (cerca de US$ 1 trilhão). Mas, depois dos resultados negativos do primeiro trimestre o primeiro ministro Abe declarou em 25 de maio, que deverá aumentar o pacote para 200 trilhões de ienes, para implementação de medidas adicionais para recuperação da economia.

Os desafios econômicos são grandes não só para as empresas no Japão, mas em todos os países, pois a queda no crescimento econômico internacional é dada como certa, acima dos 5%, pelo Fundo Monetário Internacional.

Referências

STATISTICS BUREAU. Ministry of Internal Affairs and Communications. Seasonally Adjusted Series of Key Items. In: Summary of the Latest Month on Family Income and Expenditure Survey March 2020. Released on 8 May 2020 https://www.stat.go.jp/english/data/kakei/156.html. Acesso em 24.maio.2020

UNITED STATES CENSUS BUREAU. Trade in Goods with China. Disponível em: https://www.census.gov/foreign-trade/balance/c5700.html. Acesso em 23.maio.2020

GOVERNMENT OF JAPAN. Cabinet Office. GDP (Expenditure Approach) and Its Components. Disponível em: https://www.esri.cao.go.jp/en/sna/data/sokuhou/files/2020/qe201/gdemenuea.html. Acesso 23.maio.2020.

MINISTER OF HEALTH, LABOUR AND WELFARE. About Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Disponível em: https://www.mhlw.go.jp/stf/seisakunitsuite/bunya/newpage_00032.html. Acesso em 22.maio.2020.

JAPAN EXTERNAL TRADE ORGANIZATION. Survey on Impacts of the COVID-19 on and Needs of Foreign-affiliated Companies. Results(Preliminary. April 15th, 2020. Disponível em: https://www.jetro.go.jp/ext_images/_Newsroom/2020/2nd/0415en.pdf. Acesso em 22.maio.2020.

Alexandre Uehara
Coordenador Centro Brasileiro de Estudos sobre Negócios Internacionais & Diplomacia Corporativa da ESPM

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