Fim de tarde de domingo na Paulista. Eu/outro na cidade 1

Pedro de Santi

Neste último domingo, a Avenida Paulista foi uma vez mais interditada a carros e ônibus em parte do dia. O motivo oficial foi a inauguração de um trecho que faltava da ciclovia, ligando a Paulista à Rua Vergueiro. Na realidade, foi mais um balão de ensaio para o projeto da prefeitura para fechá-la todos os fins de semana como via de lazer.

O projeto controverso tem seus argumentos a favor e contra, mas o fato é que a avenida foi ocupada por uma multidão num dia de verão em pleno inverno.

Não me senti minimamente animado a ir às passeatas com bandeiras confusamente políticas do domingo e quinta-feira anteriores. A primeira denunciava a ilegitimidade do governo, com parte dos participantes pedindo uma solução igualmente ilegítima; a segunda, defendia o governo enquanto atacava sua política econômica. Manifestações legítimas enquanto tais, mas tudo bem embaralhado e desanimador.

Governo indefensável, oposição irresponsável, a necessária terceira via encarnada pelo…PMDB. Depois de muita lambança e tiroteio, Dilma (PT) e Aécio (PSDB) conseguiram se nivelar por baixo com Temer, Cunha e Calheiros. Nada de bom no horizonte de crise econômica e política. O problema e a solução não parecem depender da permanência ou retirada da presidente de seu cargo. A questão do impeachment ocupa boa parte da cena e esconde a falta de projeto adiante, por qualquer das partes em disputa.

No fim da tarde, fui passear pela avenida levando minha filha menor no carrinho para ver a festa. E ela estava lá e minha filha adorou. Rua cheia de gente circulando, quase a cada quadra um tipo de música diferente. Algumas bonitas na simplicidade da execução; algumas patéticas; algumas boas demais, como uma banda de sopros que tocava na frente da FIESP. Apesar de alguns sustos com bicicletas e skates em velocidades inadequadas para a coabitação do espaço com pedestres, basicamente estava todo mundo de cara boa, relaxada, disponível. Um refresco para o clima mal-humorado e agressivo das passeatas e das redes sociais.

Ao longo da semana de trabalho, a cena musical desorganizada parece depor sobre a degradação da avenida, que vê muitos escritórios vazios, a migração de grandes empresas e a ocupação por um comércio mais simples, inclusive de camelôs. Moradores de rua têm buscado abrigo também nela, até pela segurança policial maior que há em torno dos Jardins.

Como moro e tenho meu consultório na região, estou entre aqueles que se sentem diretamente prejudicados pela degradação da via e pela obstrução do fluxo aos domingos, com problemas de trânsito e segurança nas vias próximas, mas me rendi ao domingo leve de convívio no espaço público. Um alívio.

Já na volta, pelas cinco e pouco, perto do MASP, deu-se a cena que me ganhou de vez. No sentido Consolação/Paraíso, vinham carros da CET com sirenes, seguidos pelo fluxo de automóveis que retomavam o território que supunham só deles, impacientes. Motos e guardas do CET vinham à frente abrindo caminho devagar, pedindo às pessoas que recuassem para as calçadas. Houve uma onda de vaias bem-humoradas e certa resistência civil pacífica. O avanço foi momentaneamente detido por um grupo que começou a pular corda na frente dos carros. Dois homens seguravam as extremidades da corda e uma moça de cabelos grisalhos pulava rindo como uma criança fazendo molecagem. Ante a impaciência dos policiais, alguns passantes os abraçavam. Pura palhaçada. Uma irreverência bem mais vitalizada que a das manifestações da semana anterior.

Está ganho meu apoio à interdição, digo, à liberação da Paulista e de muitas outras vias da cidade aos domingos para o respiro da polis, em suas velhas e novas formas de convívio.

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