Estruturas organizacionais: definição, utilidades e alternativas

Luiz Nasser.

Ao longo dos últimos cerca de 250 anos, especialmente no mundo ocidental, organizações como as conhecemos hoje foram se tornando cada vez mais (oni)presentes (Micklethwait and Woodbridge, 2003). Não é um exagero dizer que, cada vez mais, pessoas nascem em organizações (e.g. maternidades), passam suas vidas dentro delas e interagindo com elas (e.g. escolas, órgãos públicos, consultórios, igrejas, supermercados) e – frequentemente – morrem dentro de uma (e.g. casas de repouso, hospitais, funerárias, cemitérios).
Há na literatura muitas definições para organizações e aqui – por sua simplicidade e clareza – utilizo a de Daft (2014):
Organizações são (1) Entidades sociais, (2) Direcionadas por objetivos, (3) Deliberadamente concebidas como sistemas de atividades estruturadas e coordenadas, (4) Ligadas ao ambiente externo. (p. 12)
De especial importância para os propósitos deste artigo é o terceiro elemento dessa definição. Se dois ou mais indivíduos (1º elemento) se associam e definem um ou mais objetivos para essa associação (2º elemento) mas não criam os meios para alcança-los, temos aquilo que no idioma inglês é comumente referido como wishful thinking. Trata-se de uma expressão idiomática que pode ser traduzida como pensamento ilusório ou desejoso (e.g.: “Ah, como seria legal se…”).
Por exemplo, você e seus amigos(as) decidem fazer um churrasco de finalização do semestre e – com as mais altas aspirações – definem que será “o melhor churrasco do ano, com muita comida, bebida, música boa e gente legal”. Se vocês param por aí, não haverá churrasco: apenas wishful thinking. Mas é claro que vocês não pararão: todos começam a se movimentar, cotar preços de alimentos e bebidas, buscar alternativas de local, contactar DJs, etc. Sob o Efeito Honeymoon (Lua de Mel; Fichman and Levinthal, 1991; Ring and Van de Ven, 1994), tudo parece ir de vento em popa, todos muito motivados, todos engajados, todos trabalhando alegremente e imbuídos de um espirito de equipe e cooperação – muito mais para Gemeinschaft do que para a Gesellschaft(1) de Tönnies – focados para alcançar o objetivo de realizar “o melhor churrasco do ano”.
Mas, mais cedo do que tarde, o evento se aproxima, as tarefas que pareciam simples mostram seus muitos desdobramentos, as interdependências entre as pessoas ficam evidentes (e problemáticas), descobre-se que, inadvertidamente, algumas tarefas secundárias estão sendo realizadas por duas pessoas enquanto outras tarefas críticas são estão “sem dono”, deadlines são perdidos, as expectativas dos seus futuros convidados crescem e – #eutedisse – finda-se o período de Lua de Mel.
É neste momento que a Estrutura Organizacional (EO) entra em cena.
O grupo organizador da empreitada passa a sentir necessidade de dividir o trabalho, atribuir responsabilidades claras a (e demandar planos práticos e detalhados de) cada indivíduo, definir quem deve se reportar a quem, entre outras decisões para que o trabalho ocorra mais eficiente e harmonicamente.
Ademais, essas definições contribuem para criar accountability. Por exemplo, ao se nomear Pedro como o “Diretor de Infraestrutura” do evento a) todos passam a saber a quem procurar para obter informações, recursos, decisões e ações sobre esse assunto e b) o tema Infraestrutura passa a ter “nome e sobrenome” para ser premiado (e.g. reconhecido públicamente, promovido, bonificado) caso Pedro e sua equipe estejam fazendo que deles se espera ou cobrado, responsabilizado – e no limite, punido, e.g. repreendido publicamente, demitido – caso não esteja(2).
Mas as definições relativas à EO não deveriam parar por aí.
Uma vez divididas as tarefas, rapidamente passa-se a perceber a importância de definir como chefes e subordinados devem trabalhar conjuntamente. Por exemplo, quanto o responsável pela compra dos alimentos pode gastar sem que precise consultar sua superiora hierárquica, a “Diretora de Alimentos e Bebidas”? Os esforços (e respectivas ferramentas) para facilitar o trabalho entre chefes e subordinados dentro da mesma área são comumente chamados mecanismos de integração vertical.
Como se a situação já não fosse suficientemente complexa, rapidamente os membros da equipe percebem que, para realizar seu trabalho, dependem de pessoas em outras “Diretorias” e – note o perrengue – sobre as quais eles não têm poder de comando. Por exemplo, a responsável pela compra das bebidas destiladas (parte da “Diretora de Alimentos e Bebidas”) precisa “pra ontem” de dinheiro do responsável pela arrecadação (membro da “Diretoria Financeira”), recurso esse que ainda não existe, pois, o responsável pela elaboração da lista de convidados e venda dos ingressos (membro da “Diretoria de Marketing, Promoção e Vendas”) ainda não concluiu o seu trabalho. Mais uma vez, os esforços (e respectivas ferramentas) para facilitar o trabalho conjunto entre indivíduos entre as áreas são comumente chamados mecanismos de integração horizontal(4).
Entendidos o que são e qual a sua importância, o próximo passo é saber quais os tipos de EOs disponíveis aos gestores. São muitos e novos arranjos surgem periodicamente (e.g. Laloux, 2014; Lipmanowicz and McCandless, 2013). Em face dos propósitos deste artigo, aqui apenas os sete principais são sucintamente introduzidos.
Muito provavelmente, o tipo mais antigo e utilizado é o Funcional. Já no primeiro nível hierárquico (Vice-presidências ou Diretorias logo abaixo do executivo-chefe), este tipo agrupa as atividades da organização em áreas como Marketing, Finanças, Produção, Logística, RH, entre outras.
Já as EOs Divisionais por Família de Produtos agrupam as atividades em torno das várias (e normalmente diversificadas) linhas de produtos e/ou serviços nas quais uma organização opera. A Procter & Gamble, por exemplo, possui nada menos do que dez unidades globais de negócios (que são reproduzidas integral ou parcialmente nos diversos países em que ela opera): Baby Care, Fabric Care, Family Care, Feminine Care, Grooming, Hair Care, Home Care, Oral Care, Personal Health Care, e Skin & Personal Care. Cada uma com sua alta administração, sua média gerencia, seus staffs técnico e administrativo e seu núcleo técnico (ver Mintzberg, 1992 para uma discussão detalhada de cada uma dessas partes das EOs). Com essa estrutura, a empresa reconhece as diferenças e particularidades de cada um desses negócios e indica que, para ela, é fundamental conceber estratégias e controlar operações e resultados individualmente para cada um.
EOs Divisionais por Tipo de Cliente (e.g. Vice-Presidências de Pessoa Física, de Pessoa Jurídica e de Governo & Terceiro Setor), Divisionais Geográficas (e.g. Vice-Presidências para América do Norte, para América Latina, para Europa Ocidental e para Ásia), Divisionais por Área de Conhecimento (e.g. Escola Politécnica, Instituto de Química, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) entre outras, seguem logicas semelhantes às Divisionais por Produtos mas agrupam as atividades da organização de formas diferentes em função do critério que julgam mais importante para a sobrevivência e sucesso de suas operações.
As EOs por Processos (ou Horizontais) alteram mais radicalmente a forma de enxergar as organizações ao alinhar as diversas áreas em torno de processos-chave de negócios. Um exemplo hipotético é o de uma empresa fabril que reagrupa suas gerencias de Seleção e qualificação de Fornecedores, Compras, Logística de entrada, Produção, Desenvolvimento Industrial, Logística de Saída e Distribuição – antes “espalhadas” por várias Diretorias – sob uma nova, denominada “Diretoria de Transformação”. Ou ainda, reagrupa suas gerencias de Prospecção, Atendimento de Contas, SAC, Clube de Fidelidade, Pós-venda e Assistências Técnicas sob uma nova, denominada “Diretoria de Processos de Clientes”.
Enquanto os cinco tipos acima utilizam os processos como a principal lógica de organização da “fábrica” de seus bens e serviços, as EOs Matriciais utilizam predominantemente a lógica por projetos. Em essência, esse tipo faz dois “recortes” simultâneos em suas atividades. Em palestra na ESPM em Outubro de 2016, Ricardo Distler, Diretor da Divisão de Communications, Media & Technology da Accenture – gigante global de Consultoria e Outsourcing – apresentou a matricial da empresa composta por dois grupos de diretorias. O primeiro composto por experts e recursos nas áreas de especialidade da empresa no Brasil: Estratégia, Consultoria em gestão, Digital, Tecnologia e Operações. O segundo, composto por experts e recursos nas industrias-foco da empresa: Communications, Media & Technology, Produtos, Recursos Naturais, Serviços Financeiros e Governo. Note que enquanto o primeiro grupo tem características de uma Divisional por Família de Produtos, o segundo se assemelha a uma Divisional por Tipo de Cliente. Ok, mas nesse caso, onde está “a fábrica”? Ela se encontra nas equipes de projetos multifuncionais compostas por experts no problema central (e.g. Operações) e por experts na indústria (e.g. Recursos Naturais) do cliente…todos espalhados através de uma matriz que monta times de projetos e entrega soluções de acordo com as demandas (muito) especificas de seus clientes.
Finalmente, as EOs em Rede Virtual partem do princípio de que organizações devem devotar toda sua energia para seu negócio central (core business; Zook and Allen, 2010; Taylor, 2013) e – através de terceirização, subcontratação, locação, ou simples eliminação da tarefa – “jogar para fora” todas (ou quase todas) as atividades non-core. Diferentemente das demais, estas não chegam a ter um formato ou “recorte” especifico. Ao invés disso, elas propõe uma lógica de condução das atividades da organização. Vale dizer no entanto que organizações que seguem essa lógica tendem a ser menores, com estruturas mais enxutas, horizontalizadas, informais e descentralizadas e, em geral, com profissionais mais qualificados.
Para o leitor mais atento, as perguntas mais prováveis a partir do que foi apresentado até aqui seriam: “Ok, entendi o que são, para que servem e quais os principais tipos de EOs….mas quais as vantagens e desvantagens de cada uma delas? Há alguma que seja melhor? Se sim, qual? Se não, como escolher a mais adequada?”
Essas e outras perguntas (e suas respectivas respostas) ficam para outra oportunidade. Mas a chave para a resposta está numa frase que você deve ter ouvido algumas vezes do seu professor de Física no Ensino Médio: Tudo depende do referencial.

(1) Análise comparativa entre comunidades e sociedades como conceptualizadas por Ferdinand Tönnies em obra homônima publicada originalmente em alemão em 1887.
(2) No mundo corporativo, frequente usam-se expressões como “Colocar o de alguém na reta” ou “É o dele(a) que está na reta” que – apesar de grosseiras – representam adequadamente a acepção de accountability utilizada aqui. Neste sentido, Caruth, Caruth, and Humphreys (2009) sugerem que “when a manager makes a ‘good’ decision it often seems that few people ever notice; on the other hand, when he or she makes a ‘bad’ decision, that decision may be remembered for years to come” (p. 124).
(3) Para Pfeffer (1992a e 1992b), este é um elemento central para o surgimento de dinâmicas de poder e política nas organizações.
(4) Veja Lawrence and Lorsch (1967) e Churchill and Lewis (1983) para dois tratamentos já clássicos dos processos de diferenciação e integração das EOs.

Referencias
Caruth, D. L., Caruth, G. D., & Humphreys, J. H. (2009). Towards an experiential model of problem initiated decision making. Journal of Management Research, 9(3), 123.
Churchill, N.C. and Lewis, V.L. (1983). The Five Stages of Small Business Growth. Harvard Business Review. Harvard University Press. Mass.: May-Jun.
Daft, R. L. (2014). Organizações: teoria e projetos. Tradução da 11ª edição norte-americana. São Paulo: Cengage Learning.
Distler, R. (27 de Outubro, 2016). A organização por projetos da Accenture. Seminário apresentado na disciplina de Teoria e Análise das Organizações, na ESPM-SP, São Paulo, SP.
Fichman, M., & Levinthal, D. A. (1991). Honeymoons and the liability of adolescence: A new perspective on duration dependence in social and organizational relationships. Academy of Management Review, 16(2), 442-468.
Laloux, F. (2014). Reinventing Organizations: A Guide to Creating Organizations Inspired by the Next Stage in Human Consciousness. Brussels: Nelson Parker.
Lawrence, P.; Lorsch, J. (1967). Differentiation and Integration in Complex Organizations. Administrative Science Quarterly, 12, 1-47
Lipmanowicz, H. and McCandless, K. (2013). The Surprising Power of Liberating Structures: Simple Rules to Unleash a Culture of Innovation. Liberating Structures Press.
Micklethwait, J. and Woodbridge, A. (2003). The Company: A Short History of a Revolutionary Idea. New York: Modern Library.
Mintzberg, H. (1992), Structure in Fives: Designing Effective Organizations. Englewood Cliffs: Prentice Hall.
Pfeffer, J. (1992a). Managing with power: Politics and influence in organizations. Harvard Business Press.
Pfeffer, J. (1992b). Understanding power in organizations. California management review, 34(2), 29.
Ring, P. S., & Van de Ven, A. H. (1994). Developmental processes of cooperative interorganizational relationships. Academy of Management Review, 19(1), 90-118.
Taylor, D. (2013). Grow the Core: How to Focus on your Core Business for Brand Success. Chichester: John Wiley.
Tönnies, F. (1955). Community and Association, London: Routledge & Kegan Paul. Tradução do original Gemeinschaft und Gesellschaft, Leipzig: Fues’s Verlag, 1887.
Zook, C. and Allen, J. (2010). Profit from the Core: A Return to Growth in Turbulent Times. Massachussets: Harvard Business Press.

Para saber mais:
Abordagens práticas
Kates, A., Galbraith, J. R. (2007). Designing Your Organization: Using the STAR Model to Solve 5 Critical Design Challenges. San Francisco: Jossey-Bass.
Stanford, N. (2007). Guide to Organisation Design (The Economist). London: Profile Books.

Clássicos e Contemporâneos
Ackoff, R. L. (1999), Re-Creating the Corporation: A Design of Organizations for the 21st Century. New York: Oxford University Press.
Galbraith, J. R. (1994), Competing with Flexible Lateral Organizations. Reading: Addison-Wesley.
Lawrence, P.; Lorsch, J. – Differentiation and Integration in Complex Organizations. Administrative Science Quarterly, 12, 1-47, 1967.
Mintzberg, H. (1992), Structure in Fives: Designing Effective Organizations. Englewood Cliffs: Prentice Hall.
Morgan, G. (1999). Imagens da organização, São Paulo: Atlas.
Nadler, D. A., Tushman, M. L., Nadler, M. B. (1997). Competing by Design: The Power of Organizational Architecture. New York: Oxford University Press.
Worren, N. (2012). Organisation Design: Re-defining Complex Systems. Essex: Pearson.

Inovadores
Laloux, F. (2014). Reinventing Organizations: A Guide to Creating Organizations Inspired by the Next Stage in Human Consciousness. Brussels: Nelson Parker.
Lipmanowicz, H. and McCandless, K. (2013). The Surprising Power of Liberating Structures: Simple Rules to Unleash a Culture of Innovation. Liberating Structures

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