Por Pedro de Santi
Em tempos de preocupação com o politicamente correto e com manchas impressas em marcas e imagens, costuma-se ver com maus olhos os discursos críticos.
Na medida em que uma crítica opera como uma análise que decompõe e expõe os elementos estruturais daquilo que é criticado, ela pode facilmente ser entendida como ataque à imagem, sobretudo por alguém que já se encontre em posição defensiva. Em tempos difíceis e exigentes para todos, ninguém precisa de mais problemas, afinal. Espera-se ouvir apenas discursos reasseguradores e positivos. Dá-lhe auto-ajuda e discursos “do bem”. O crítico é um chato.
Nossa experiência de conectividade faz com que toda mancha ou diferença seja ampliada ou viralizada exponencialmente e com extrema rapidez. A necessidade de estancar os efeitos daquilo que seria apenas um ponto isolado mas tem poder viral, faz com que se invista grandes montantes de energia na manutenção da exterioridade, em detrimento de investimento e reflexão mais consistente sobre as coisas. Como a separação entre as esferas pública e privada desapareceu, no limite, tudo é público. Não ha lugar reservado para reflexão e exposição de divergências.
Resultado? A sustentação de uma imagem que vai se tornando oca e já não representativa de uma realidade subjacente, que por sua vez se deteriora por não poder ser processada e reprocessada.
Em minha tese de doutorado, chamada “A crítica ao eu na Modernidade. Em Montaigne e Freud” (publicada em 2003, pela editora Casa do Psicólogo), discuti alguns sentidos do discurso crítico. O ‘eu’ tornou-se o centro da experiência do Homem moderno, desde o século XVI. Desde então, nasceram inúmeros discursos que criticam sua vaidade e arrogância. Há quem queira retirar do eu seu valor e devolvê-lo a Deus; são os chamados fideístas, que têm em Pascal um exemplo de grande pensador. Há quem queira destronar o Homem para colocar em seu lugar a natureza; como os românticos, com autores como Shopenhaeur. Mas há também autores que criticam e denunciam as pretensões do eu sem nada porem no lugar; são pensadores céticos da linhagem de Nietzsche, dos existencialistas e, penso, Freud. Eles não são críticos apenas do eu, mas também de toda metafísica ou transcendência.
Parte-se de uma crítica às aparências, percebe-se então que não se tem ponto de perspectiva seguro e transcendente a elas e, por fim, acaba-se por retornar às aparências. Àquelas mesmas que foram criticadas, reconhecidas agora como toda a realidade de que dispomos. A crítica se resolve numa compreensão sobre o modo de funcionamento das coisas e num mergulho na existência, naquilo que é imediato, possível e acessível. Sobre o conhecimento adquirido, pode-se projetar futuros possíveis, transformações.
Crítica não implica em recusa daquilo que é criticado; tampouco é necessariamente um ataque. Ela pode implicar, pelo contrário, comprometimento e interesse, capacidade de sair da pressão do imediato e proporcionar uma perspectiva revitalizante. Falta de crítica (e auto-crítica) ou de lugar para ela; isto sim, estagna e mata.