Por Gianpaolo Dorigo
Professor Anglo Vestibulares
Sempre me causou perplexidade o bullying, não pelo ato em si e muito menos pelo uso do termo em inglês (a essa altura já estamos todos used to), mas sim pela sua quase criminalização e pelo fato de existir um termo específico para esse conjunto de maldades e maus tratos que, gostemos ou não, sempre fizeram parte do convívio social. Sobretudo entre jovens e adolescentes, que são cruéis, tremendamente cruéis entre si, sempre foram, sem que em outras épocas tantas pessoas julgassem estar “sofrendo” bullying. Pode-se imaginar época mais cruel que o período, digamos, dos onze aos quinze anos de idade ? Penso em todas as ignomínias que presenciei e alegremente pratiquei nessa época da vida, e todos faziam isso e todos “sofriam” igualmente com isso.
E, no entanto, fazia-se muito menos terapia.
Os apelidos eram sórdidos. Lá pela 6ª série, havia um menino obeso, excepcionalmente obeso e que ainda por cima tinha o arcaico nome de Orlando. Claro, todos os chamávamos de Gorlando ou Gordolando, para sua fúria (e nossa diversão). Havia também o menino negro (o único que frequentava a escola privada de classe média, cheia de alunos branquelos). Era alegremente chamado de Berinjela, sem que ninguém se importasse muito seriamente com isso. O ponto culminante da prática de apelidos sórdidos veio com o Manuel, menino que entrou na 8ª série no meio do ano, além de tudo morador de uma cidade do ABC, e tudo isso já seria motivo suficiente para torná-lo alvo preferido da turma. Pois este menino era alto, muito magro, com o rosto cavado e fundos olhos azuis, o que lhe valeu o singelo apelido de Holocausto.
E, no entanto, tomavam-se muito menos antidepressivos.
Os xingamentos eram cruéis. Qualquer erro ou engano cometido era saudado com gritos de “retardado” ou “mongolóide”. O cuidado ao vestir era importante, não no sentido de exibir alguma riqueza, mas de evitar combinações que justificassem o uso do – ok, odioso – epíteto de “baiano”. Ao mesmo tempo, comportamentos que indicassem a não compreensão da postura adequada para esta ou aquela situação, de imediato já denunciavam o “maloqueiro”. Assim como os apelidos, os xingamentos eram discriminatórios, sublinhavam as diferenças, e mostravam como o todo buscava ser homogêneo. Éramos pequenos fascistas, todos nós.
E, no entanto, as pessoas não saíam por aí invadindo escolas e baleando os colegas.
No meio do circo dos horrores, aprendíamos a nos defender e, com o tempo, abandonávamos as práticas mais sórdidas, introjetando normas morais e aprendendo de algum jeito princípios de sociabilidade. Hoje, com a obrigação de combatermos o bullying, devemos proteger adolescentes frágeis e sensíveis que, provavelmente, jamais aprenderão a caminhar por conta própria, permanecendo crianças para sempre. Retardados para sempre.