E-Diplomacia: os desafios para diplomacia tradicional

Denilde Holzhacker

Convive-se, cada vez mais, com os impactos das transformações digitais na realidade política, econômica e social dos países. Desde a Primavera Árabe, passando pela eleição de Trump e os debates a respeito do Brexit, as recentes manifestações em Hong Kong, entre outros, não é possível pensarmos a realidade internacional sem considerar os efeitos do mundo digital. Assim, conceitos como diplomacia digital, e-diplomacy ou twitter diplomacy ganham espaço nas análises sobre a atuação externa de governos e governantes.
De acordo com o Survey E-Government, em 2000 somente 25% dos governos tinham informações digitalizadas, porém, desde 2014, 98% dos governos estão inseridos na realidade digital. O estudo Twiplomacy 2018, realizado pela empresa Burson Cohn & Wolfe, identificou 951 contas no Twitter, sendo 372 pessoais e 579 institucionais de chefes de estado e ministros de relações internacionais de 187 países. No Facebook foram identificadas contas de governos e ministros de relações exteriores de 197 países e, a cada ano, cresce a presença de líderes mundiais na plataforma Instagram.
Os Estados Unidos foram pioneiros na implementação de um programa de E-diplomacia em 2002, com a criação de um Task Force no Departamento de Estado. Após pós-11 de setembro de 2001, criou-se o consenso de que o país necessitava de um sistema mais ágil de comunicação entre o Departamento de Estado e as representações no exterior para a prevenção de ações e catástrofes. Em 2011, o Departamento de Estado lançou uma ferramenta para a conectar os diplomatas, chamada Corridor, que é uma espécie de Linkedin e Facebook para troca de informações entre os membros do governo. De acordo com as informações do Departamento de Estado, o sistema tinha em 2014 mais de 17 mil usuários.
Em 2011, a Rússia iniciou um programa voltado para o uso das plataformas digitais, tornando-se um dos países que mais investem em diplomacia digital, ficando atrás de Estados Unidos e Israel. O governo chinês também tem investido na atuação em plataformas digitais, como twitter, facebook e youtube. Além disso, seis embaixadas chinesas são ativas no twitter.
Algumas iniciativas têm sido conduzidas para compreensão da interligação entre a diplomacia tradicional e a digital. Uma delas foi a Stockholm Initiative for Digital Diplomacy (SIDD), realizada em 2014, sendo a primeira reunião sobre diplomacia digital. A pergunta central feita pelos participantes do encontro foi: como os mundos offline e online impactam nas relações internacionais e na diplomacia.
Kampf, Manor e Segey (2015) consideram que plataformas de mídias sociais são ferramentas para promoção e gerenciamento da imagem e reputação do país. Existem dois níveis para a atuação na E-diplomacia: o primeiro nível é voltado para o público doméstico, como forma de facilitar a aceitação da imagem do país e promover seus interesses. O outro nível envolve a criação de uma rede entre o mundo diplomático e seus interlocutores, neste caso, os canais tradicionais se interligam com as mídias digitais. Assim, a E-diplomacia envolve desde o ambiente de gerenciamento de informação, comunicação entre o corpo diplomático até as negociações online.

E-diplomacia 2.0: indo além da comunicação digital
Com o maior envolvimento do mundo diplomático no ambiente digital podemos observar uma nova fase: a E-diplomacia 2.0. De um lado, tem-se um movimento de maior interação com os cidadãos. Neste contexto, o Net-cidadão acessa os canais diretos de comunicação para pressionar e promover suas agendas, levando os órgãos diplomáticos interagirem e responderem nas próprias redes sociais. O uso de hastags, por exemplo, indicam a alteração na dinâmica da diplomacia pública.
Outro aspecto da E-Diplomacia 2.0 é a introdução de novas formas de gestão do conhecimento por meio de inteligência artificial e big data. O uso de big data já é uma realidade em áreas como comércio internacional e no atendimento consular, visando melhorar os serviços para os cidadãos (JACOBSON; HÖNE;KURBALIJA, 2018)
Em 2017, alguns países anunciaram a criação de projetos de pesquisa sobre o uso de Inteligência Artificial (IA) na diplomacia e políticas públicas, entre eles China, Estados Unidos e Dinamarca. No entanto, o acesso, a qualidade dos dados e a segurança para os países ainda são limitadores na aplicação de IA na diplomacia digital (MURPHY, 2019).
O software Cognitive trade adviser é um exemplo do uso da IA para contribuir no processo de negociação na OMC. Outras iniciativas estão voltadas para o monitoramento de padrões migratórios são usados por meio de vários recursos de imagem, textos e outras informações (MURPHY, 2019).
Cyber-utópicos e Cyber-realistas: para onde vamos?
Desde que vários países ampliaram o escopo da E-diplomacia, com o big data e inteligência artificial, os debates tem se dividido entre dois grupos: de um lado, os cyber-utópicos, que veem a era digital como um instrumento para trazer maior abertura e transparência para a diplomacia, e, do outro lado, os cyber-realistas que consideram a internet como uma forma importante para o engajamento, mas ainda muito atrelada ao ambiente político e social que estão inseridos (HOCKING; MELISSEN, 2015).
Tanto os cyber-utópicos, quanto os cyber-realistas não negam a condução da diplomacia nos moldes tradicionais, mas questionam o papel do mundo digital na diplomacia. Para Adesina (2017), apesar das promessas sobre os efeitos da revolução tecnológica na diplomacia, pouco ainda se conhece, do ponto de vista analítico, o impacto da E-diplomacia. Assim, abre-se um novo campo de estudo nas relações internacionais voltados para a compreensão do funcionamento, do sucesso e das limitações da E-diplomacia.
Podemos ainda não ter respostas sobre o impacto da E-diplomacia para a política externa dos países, mas algo que já está claro é que esta realidade ganhará cada vez mais espaço no debate diplomático nos próximos anos.

Referências bibliográficas
ADESINA, Olubukola S. Foreign policy in an era of digital diplomacy. Cogent Social Sciences, v. 3, n. 1, p. 1297175, 2017.
HOCKING, Brian; MELISSEN, Jan. Diplomacy in the digital age. Clingendael, Netherlands Institute of International Relations, 2015. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Jan_Melissen2/publication/309012711
JACOBSON, Barbara Rosen; HÖNE, Katharina E.; KURBALIJA, Jovan. Data Diplomacy. 2018. Disponível em: https://www.diplomacy.edu/sites/default/files/Data_Diplomacy_Report_2018.pdf
KAMPF, Ronit; MANOR, Ilan; SEGEV, Elad. Digital diplomacy 2.0? A cross-national comparison of public engagement in Facebook and Twitter.The Hague Journal of Diplomacy, v. 10, n. 4, p. 331-362, 2015.
MURPHY, Mary Mapping the challenges and opportunities of artificial intelligence for the conduct of diplomacy, Geneva: DiploFoundation, January, 2019. Disponível em: https://www.diplomacy.edu/sites/default/files/AI-diplo-report.pdf

Professora de Relações Internacionais na ESPM. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Americanos (NENAM) e coordenadora do Legislab-ESPM.

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