Denise Fabretti
Introdução
O presente estudo é uma reflexão no sentido de apontar as tendências modernas na área de Direito Digital. A ideia central, aqui exposta, é tecer considerações sobre os riscos das divulgações e postagens que se proliferam pela internet. A análise é totalmente isenta de convicções políticas, filosóficas ou preferencias partidárias. O objetivo deste material é demonstrar como a legislação e a jurisprudência tratam do tema uma vez que a função do Direito é regular o comportamento humano no sentido de pacificar as relações sociais.
Relações Sociais e Direito
O uso da internet atualmente é uma constante no cotidiano das pessoas. Seja através de redes sociais, criação de blogs, facilidades oferecidas para criação de sites etc, as relações sociais estão cada vez mais amplas em virtude desse uso. Por isso mesmo, é curioso observar que muitos indivíduos perderam totalmente a percepção da diferença do que vem a ser espaço público e espaço privado e, consequentemente, da noção dos efeitos de suas publicações e comentários na web. É interessante observar que muitos indivíduos ou grupos se posicionam publicamente da mesma forma que o fazem na sala de estar de casa “batendo papo” com familiares e amigos. Todavia, nem sempre os termos e expressões utilizados na vida privada, principalmente para se referir a terceiros, são adequados em uma discussão pública.
Assim por exemplo, falar em público que determinada pessoa é ladra, defende um corrupto porque também é ladra e corrupta etc além de ser ofensivo configura prática de calúnia, pois uma vez que corrupção e roubo são atos criminosos, só é possível se afirmar publicamente que alguém é corrupto ou ladrão se esta pessoa já foi julgada e condenada no âmbito do Poder Judiciário. Se essa pessoa ocupa cargo público o crime de calúnia pode ter a sua pena agravada.
(Art. 138 – Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º – É punível a calúnia contra os mortos.
Exceção da verdade
§ 3º – Admite-se a prova da verdade, salvo:
I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;
II – se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;
III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.)
Do mesmo modo a difamação e a injúria também são atos considerados ilícitos. No primeiro caso trata-se de divulgar um fato que prejudique a reputação de uma pessoa, seja este verdadeiro ou falso. No segundo caso ( injúria), trata-se de divulgar ofensas e xingamentos que podem se agravar, inclusive, se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
Difamação
Art. 139 – Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Exceção da verdade
Parágrafo único – A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
Injúria
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º – O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º – Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena – reclusão de um a três anos e multa.)
Calúnia, difamação e injúria caracterizam-se como ilícitos penais, ou seja, crimes. Entretanto, além de se sujeitar a responder ao processo criminal, o ofensor ainda está sujeito ao pagamento de indenização ao ofendido pelos danos morais causados.
Ressalte-se que, nas três hipóteses, podem ser responsabilizados tanto o ofensor como aqueles que colaboraram na divulgação da ofensa à reputação de alguém.
Juristas especializados em Direito Digital alertam para o fato de que, a partir do momento em que alguém publica qualquer coisa na internet (seja por meio de redes sociais, sites, blogs, comentários em sites de jornalismo, em blogs alheios entre outros), essa pessoa perde o controle sobre a sua publicação. Esse material pode ser difundido inúmeras vezes, com interpretações e conotações diversas, em uma rede que, em princípio, é mundial,
Isso é fácil de comprovar. Quantas vezes um indivíduo já postou ou comentou algo em sua página do Facebook e, antes mesmo de uma eventual correção- seja por erro de digitação ou por se dar conta de que o conteúdo pode levar a interpretação diversa- percebeu que alguém já “curtiu” ou compartilhou a ideia.
Ressalte-se que, mesmo em grupos fechados, nada impede que se faça a cópia e a divulgação para público externo da postagem ou material que ali está. Em questão de segundos isso pode ocorrer.
A Liberdade de Expressão na Web
A Lei 12.965/14, que recebeu a denominação de Marco Civil da Internet e regula os princípios, direitos e garantias para o uso da internet no Brasil, assegura, em seu art. 19, o direito a liberdade de expressão na web e condena a censura. Todavia, no § 3º desse mesmo dispositivo legal, são reguladas as questões que ensejam processos judiciais que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade. Portanto, convém esclarecer que há uma diferença essencial entre liberdade de manifestação de pensamento ou de expressão e ofensas a reputação de alguém.
A liberdade de expressão, como toda e qualquer liberdade descrita como prerrogativa legal, tem o seu sentido e alcance definidos em uma área de conteúdo bem específica e, portanto, não pode atingir outros direitos . Ela não é irrestrita. Pelo contrário. Só é possível se determinar a abrangência de um direito quando se determina quais as suas linhas limítrofes. Essas linhas, no caso, traçam o campo entre a citada liberdade e a prática de atos considerados ilícitos ou ofensas a direitos individuais.
Para melhor compreensão dessa restrição, é possível descrever um exemplo que, a grosso modo, tem a finalidade de esclarecer os limites das liberdades asseguradas na ordem jurídica vigente: a Constituição Federal garante o direito a liberdade de crença religiosa a todos os indivíduos. Porém, existem limites ao exercício dessa liberdade. Um culto religioso que venha a ter como prática o sacrifício de pessoas obviamente será ilícito, pois existe um direito maior do que a liberdade de culto a ser preservado na ordem jurídica: o direito à vida.
O mesmo acontece com a liberdade de expressão. Os limites de seu campo de atuação e, consequentemente de sua licitude, são os direitos da personalidade referentes à reputação moral ou à honra e direito de imagem. Esses direitos denominam-se Direitos da Personalidade.
A liberdade de expressão, como assegura a própria Constituição Federal, decorre da prerrogativa de se exercer a liberdade de convicção política, religiosa, científica e filosófica. A expressão de tais convicções é livre sendo proibida, porém, a sua divulgação sob a forma de anonimato. Contudo, expressar tais convicções através de atos ou palavras ofensivas à honra ou imagem de alguém não é o exercício regular de um direito, mas, sim, prática de ato ilícito. Se um indivíduo se manifesta no sentido de dizer que, não concorda com a política econômica de um governante ou com a forma como este vem administrando o país ou opina sobre escândalos de corrupção, etc é óbvio que esta pessoa está exercendo o seu direito à liberdade de expressão e de opinião. Ao fazer esses comentários utilizando-se de palavras chulas e de baixo calão, ofensas, ou até de acusações infundadas, ou ainda, divulgando imagens cujas mensagens nada têm a ver com convicção política, mas, apenas, ofensas morais, obviamente não há que se falar em liberdade de manifestação de convicção política ou filosófica ou liberdade de opinião.
Assim, a lei atribui, ao autor do texto com conteúdo ofensivo, total responsabilidade pelo pagamento de indenização por danos morais causados a terceiros (além das responsabilidades criminais). O provedor e administrador da conexão da internet onde ocorreu o fato, tem a obrigação de fornecer os dados sobre os autores e divulgadores das ofensas e retirar da rede o conteúdo ofensivo . Este último somente será responsabilizado legalmente se, após receber uma intimação judicial para que tome essas providências, (fornecer a justiça a identificação dos ofensores e retirada do material) deixar de fazê-lo.
Ressalte-se que, em relação às imagens editadas e carregadas de conteúdo ofensivo, além do seu idealizador respondem, também, por danos morais e crimes contra a honra, aqueles que acrescentaram comentários ofensivos ou compartilharam tais imagens. Dessa forma, mesmo que o autor apague a sua divulgação inicial, ele já perdeu o controle sobre os compartilhamentos e reproduções feitos por terceiros.
Denúncias e o interesse público
Um dos argumentos utilizados por aqueles que divulgam fatos graves a respeito de terceiros é o de que estariam colaborando para com o interesse público na medida em que denunciam atos irregulares. O entendimento dos tribunais é no sentido de que tais denúncias devem ser encaminhadas às autoridades competentes para a investigação dos fatos e execução das medidas necessárias para punir o acusado. Divulgar a imagem de uma pessoa com acusações ainda não comprovadas e deixá-la exposta aos comentários da sociedade é denegrir a sua imagem. É transformá-la em ré em um processo de julgamento baseado em opiniões e “ achismos” que não tem fundamento legal.
Todo indivíduo tem o direito de defesa e ao devido processo legal ( Due process of law) com os meios e recursos a ele inerentes. Por isso mesmo, nesses casos, em que ocorre um julgamento da sociedade sem o devido processo legal, é assegurado, ao ofendido, o direito de resposta proporcional a ofensa, nos mesmos espaços e frequências em que esta ocorreu.
No âmbito da Justiça do Trabalho existem exemplos clássicos de casos de desrespeito ao direito á honra e á imagem de empregados e empregadores. Recentemente um empregado portou-se de forma indevida na web levando os seus empregadores a um julgamento de opinião por parte dos demais empregados da empresa em que trabalhava. Esse empregado postou no Facebook a foto dos donos da empresa mostrando quem eram as pessoas “safadas” que estavam atrasando os pagamentos de salários. Embora a “denúncia” fosse verdadeira em relação ao atraso dos salários, o empregado foi demitido por justa causa e condenado a pagar indenização por danos morais. Os juízes entenderam ser cabível tanto a demissão por justa causa quanto a indenização pois os empregadores alegaram que o empregado denegriu a imagem deles e da empresa e dificultou obtenção de empréstimos bancários. Assim, esse empregado deveria ter recorrido à Justiça do Trabalho e não ter exposto publicamente seus empregadores com palavras ofensivas.
Os veículos de comunicação como jornais, revistas etc, ao apurarem fatos irregulares, tem o dever de informar a sociedade. Porém, com as devidas cautelas. Assim não poderão afirmar que determinado individuo é criminoso antes de uma decisão judicial definitiva que comprove essa prática de crime. Todavia, como o veículo tem a função de noticiar o fato ou um processo de investigação em andamento, essa notícia deve conter a ressalva de que o indivíduo em questão é suspeito ou acusado de ter praticado uma irregularidade. A redação do texto da notícia deve ser cuidadosa para não caracterizar calúnia, difamação ou injúria.
Recentemente foi noticiado o caso do assessor de comunicação responsável pela área de Relações Institucionais do Palácio do Planalto que foi exonerado do cargo por ter alterado o perfil de dois jornalistas no wikipédia desqualificando-os. (http://www.portalimprensa.com.br/noticias/ultimas_noticias/68056/planalto+identifica+servidor+publico+que+alterou+dados+de+jornalistas+no+wikipedia) .)
Percebe-se, nesse caso, que é possível identificar a origem das publicações na web com facilidade, a partir da identificação do IP da máquina que foi utilizada e o horário em que foi utilizada.
O filho do ex-presidente Lula interpelou judicialmente o prefeito de São Carlos (SP) em decorrência de uma postagem que este último divulgou no Facebook às vésperas da manifestação pro impeachmeant acusando-o de desviar recursos públicos através da empresa Friboi. ( http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/filho-de-lula-processa-prefeito-tucano-que-o-chamou-de-dono-da-friboi )
A interpelação judicial é o ato preparatório para o processo de indenização por danos morais. Se este prefeito tem realmente alguma denúncia a fazer e provas suficientes para fundamentá-la deverá apresentá-las a justiça e não ao Facebook.
Ressalte-se que também os paparazzis e veículos de comunicação que divulgam fatos sensacionalistas ou fofocas são alvos constantes de processos por danos à imagem. Um paparazzo, na década de 90 , levou à falência uma revista para a qual trabalhava. Ele e a revista foram condenados a indenizar a modelo Claudia Schiffer porque esta foi fotografada nua, em seu camarim, enquanto trocava de roupa para um desfile de moda. O paparazzo fotografou a modelo e vendeu as fotos para o veículo de comunicação. O juiz do caso, inclusive, responsabilizou o fotógrafo e a revista pelas futuras divulgações dessas imagens em qualquer meio de comunicação. Se este fato tivesse ocorrido nos dias atuais nem o fotógrafo e nem os responsáveis pela revista teriam o controle sobre a divulgação de tais imagens.
Inúmeros são os casos na justiça brasileira de condenação a pagamento de indenização por danos morais seja a respeito de uso indevido ou não autorizado de imagem seja por ofensa à reputação de terceiro em meios digitais.
Ressalte-se que os mesmos princípios se aplicam às paródias, caricaturas e manifestações artísticas. A sua expressão é livre. Porém, a legislação assegura, para aquele que se sentir ofendido com tais expedientes de humor, os mesmos Direitos de Personalidade.
Portanto, cada um é responsável por aquilo que publica e quem compartilha, apoia e divulga também se torna responsável. As divulgações na web estão muito longe de serem conversas privadas. Todo cuidado com o uso de expressões para se referir a terceiros ou com o uso de imagens destes, é pouco.
Conclusão
Com a evolução das tecnologias, o sistema de Direito também evoluiu no sentido de acompanhar as novas relações sociais que são decorrências desse avanço. Essa atualização do Direito é fundamental principalmente na área de comunicação.
Assim é necessário que o indivíduo que manifesta as suas opiniões e convicções através dessa nova tecnologia que é a internet, saiba reconhecer a diferença entre espaço público e privado, pois, o exercício de sua liberdade de manifestação de pensamento deve adequar-se aos direitos de honra e imagem dos quais outras pessoas, eventualmente atingidas por essas mensagens, são detentoras.