Cinquenta tons de cinza e nenhuma criatividade

Por Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

Galope de amor, A máquina do amor, Amor nas areias quentes… Responda rápido: a que se referem esses nomes? Não sabe? Pois bem, esses são os títulos de alguns dos maiores bestsellers da década de 80. E os seus autores? Você já ouviu falar de algum deles? Não? Mas eles foram famosíssimos: Janet Dailey, Jacqueline Susan, Konsalik, Harold Robbins.

Venderam muitíssimo. Para ficarmos só com Robbins: segundo informações dos seus editores, ele vendeu cerca de 500 milhões de livros. Tornou-se bilionário, perdeu tudo, fez fortuna outra vez, tinha mais de uma dezena de mansões nas capitais e balneários mais caros do planeta, e um dos seus hobbies era colecionar automóveis Rolls Royce.

Os livros desses “autores” estão hoje quase sumidos das prateleiras de livrarias e se você chegar num sebo para revendê-los provavelmente o vendedor não vai dar nada. E se você não quiser voltar para casa com os exemplares e resolver doá-los para o vendedor, ele provavelmente irá recusá-los com base num argumento único: “isso não vende!”.

E eis que a revista Forbes acaba de divulgar o ranking das maiores fortunas da indústria do entretenimento. No top da lista, está a dublê de cantora Madonna. Logo depois, com uma fortuna de 95 milhões de dólares, essa senhora, autointitulada “autora”, do bestseller da vez, o famigerado CINQUENTA TONS DE CINZA.

Entre a obviedade da capa e da contracapa, algema-se um texto rudimentar. Exemplos? Qualquer bobagem que a imaginação do leitor mais rasteiro possa conceber. Então afastemo-nos dos números superlativos e entreguemo-nos às páginas de um dos livros mais eróticos e mais humanos já escritos. Refiro-me ao ELOGIO À MADRASTA, de Mario Vargas Llosa, cujo excerto a seguir dá uma pequena ideia do que é erotismo nas mãos de um escritor de verdade:

“O tempo está suspenso, naturalmente. Ali não envelheceremos nem morreremos. Eternamente gozaremos nessa meia luz de crepúsculo que já estupra a noite, iluminados por uma lua que nossa embriaguez triplicou. A lua real é a do centro, retinta como asa de corvo; as que a escoltam, cor de vinho turvo, ficção.

Aboliram também os sentimentos altruístas, a metafísica e a história, o raciocínio neutro, os impulsos e as obras de caridade, a solidariedade para com a espécie, o idealismo cívico, a simpatia pelo semelhante, foram apagados todos os humanos que não você e eu. Desapareceu tudo o que teria podido distrair-nos ou nos empobrecer à hora do egoísmo supremo que é a do amor.

(…) Perdemos o nome e o sobrenome, a face e o cabelo, a respeitável aparência e os direitos civis. Mas ganhamos magia, mistério e fruição corporal. Éramos uma mulher e um homem e agora somos ejaculação, orgasmo e uma ideia fixa. Tornamo-nos sagrados e obsessivos.”.

Sugestão: se você se aventurar pela obra de Vargas Llosa, é bom saber que o texto dialoga com uma galeria de quadros reproduzidos no livro. Há duas edições em português. A atual, da editora Alfaguarra (cuja tradução escolhida foi ELOGIO DA MADRASTA), cometeu o sacrilégio de reproduzir os quadros em preto e branco. Portanto, a edição recomendada é a da Francisco Alves (ELOGIO À MADRASTA), com as reproduções coloridas. Esta edição está fora do mercado, mas pode ser encontrada com facilidade em sebos ou na http://www.estantevirtual.com.br

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