Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares
Meu último encontro com Eduardo Coutinho foi há três meses, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Como sempre, usava um tênis surrado, uma calça jeans e uma camisa batidas. Como sempre, portava sua bolsa e continuava a acender um cigarro no outro. Como todos os cinéfilos que o conheciam pessoalmente, enquanto o ouvíamos falar (cada vez mais baixo nos últimos anos), tinha ganas de arrancar de suas mãos aquele cigarro, que, imaginávamos, poderia abreviar a vida do maior diretor de cinema do Brasil.
A morte trágica e inesperada no último domingo veio como um corte absolutamente inesperado na cena desse cabra marcado para ouvir. A habilidade maior de Coutinho era, como todos sabemos, saber ouvir o entrevistado. Para isso fazia intervenções mínimas, perguntas construídas com três ou quatro palavras, que depois se desdobravam em outras costuradas quase que apenas com o emprego da função fática. O entrevistado esquecia que estava diante de um diretor e falava como se estivesse entre amigos jogando conversa fora.
Do material bruto, na hora de editar, Coutinho eliminava as possíveis obviedades e daquilo que a maioria dos diretores jogaria fora, as sobras, ele construía seus filmes. O outro elemento da sua arte era o respeito pelo entrevistado. Nada da arrogância de um entrevistador convencional que assume a altaneria do sabe tudo. O importante, para ele, era ouvir, sem se importar com o tempo. Daí os planos longos em seus filmes, na contramão dos cacoetes televisivos. E assim, de sobras, longas audições e olhos cravados nas pessoas, nasceram alguns dos melhores filmes da história do documentário brasileiro e, sem exagero, mundial: EDIFÍCIO MASTER, O FIM E O PRINCÍPIO, JOGO DE CENA.
Raymond Depardon e Agnès Varda estão à sua altura. Mas são diferentes. No Brasil, João Moreira Salles é agora o nome maior do documentário. Mas também está em outra chave. Na verdade, um grande artista nunca pode ser imitado. E por isso Coutinho deixará uma lacuna que ninguém poderá preencher.
Em tempos de tanta falação televisa e internauta, seus filmes atestam a eloquência do menos: “(…) eu só consigo fazer alguma coisa porque eu já não acredito nas grandes palavras. Quando estou fazendo um filme eu não estou querendo ensinar ninguém. (…) Meu problema é mais ético que político. O que eu quero é conhecer as razões das pessoas. As minhas razões não interessam. É claro que não podemos nos desligar da nossa ideologia, mas se um cara me diz ‘sou pobre, sou progressista, mas sou a favor da pena de morte’, eu quero entender as suas razões”.
Sobre o diretor há, entre outros títulos, EDUARDO COUTINHO (o mais completo), lançado recentemente pela COSACNAIFY, e EDUARDO COUTINHO (coleção ENCONTROS), organizado por Felipe Bragança e editado pela Azougue Editorial.
Para ler outros textos do Professor Veronese, acesse blog CPV, link Dicas Culturais do Verô.