Bons hábitos nunca desaparecem

Edmir Kuazaqui

Lembro que a minha infância foi povoada por muitos itens, como as bolinhas de gude, a coleção de miniaturas de carros Matchbox, das revistas Vrum, Gibi Semanal e da Cripta, que povoavam o imaginário das pessoas na época. Das coleções, inesquecíveis eram as dos álbuns de figurinhas que eram devidamente coladas com cola Tenaz.

Os conteúdos eram diversos, indo de atores e atrizes de cinema, seriados, jogadores de futebol e animais, personagens de histórias em quadrinhos, entre outros, que levavam as crianças a comprarem com as suas pequenas “mesadas” alguns envelopes e tentavam trocar as figurinhas repetidas por outras com colegas, ou as disputarem “no bafo”. Até figurinhas de metal foram lançadas na época. Junto com os “quadrados” colados com cola à base de farinha de trigo eram as diversões das crianças na época.

Curiosamente, próximos à Copa do Mundo a ser sediada no Brasil, tenho visto inúmeras pessoas, alunos inclusive, voltarem a este antigo hábito de colecionar figurinhas. Curioso, pois as novas gerações geralmente utilizam seu tempo com formatos mais galgados na tecnologia, em atividades de grupo e o “colar figurinhas” (mesmo que sejam autoadesivas) são atividades estritamente individuais. Entretanto, embora o formato não seja novo, a tecnologia de trocá-las é bastante atual: por meio de aplicativos, é possível informar e localizar pessoas que tenham as figurinhas necessárias para trocar as repetidas.

Andando pela periferia da cidade, atentei com surpresa, com crianças brincando com bolinhas de gude. Na infância, também colecionava as referidas bolinhas de cores e tamanhos diferentes e a grande diversão eram os combates entre os participantes com as suas bolinhas de gude. Já fazia um bom tempo que não presenciava um combate com bolinhas de gude e voltei para a minha infância.

Bons hábitos então, nunca desaparecem; podem mudar de formato ou linguagem, mas se geram algo construtivo e positivo, sempre podem ser praticados, desde que adaptados às novas gerações, realidades e cenários. Lembro que já adolescente, uma boa alternativa de diversão para todos, inclusive famílias, eram os rodízios de pizza que proliferaram rapidamente no curto prazo, mas que desapareceram e atualmente não faz mais sentido existirem como negócio isolado, pela massificação, alta concorrência, bem como de alternativas mais interessantes de diversão. Olhar para o passado e depois para o futuro pode fornecer no presente interessantes insights de ideias, produtos e serviços remodelados às novas realidades que constantemente vão evoluindo no sentido de atender demandas cada vez mais complexas.

Desta forma, rezo que outros bons hábitos retornem ao nosso dia-a-dia, como por exemplo, a leitura de um bom livro ou escutar uma boa música. Quando me refiro a um bom livro, estou me referindo em visitar uma livraria, comprar um livro impresso e passar momentos fraccionados no decorrer do mês na leitura atentada do que o autor quis transmitir e concordar ou não.

Numa época em que as vendas dos livros impressos diminuíram assustadoramente e os e-books não decolaram no Brasil, pode-se concluir que este hábito está desaparecendo, até em detrimento da diminuição das vendas de livros e do crescimento populacional, entre outros fatores. Fico curioso em saber como boa parte da população está adquirindo “informação e conhecimento” se não existe hábito da leitura. É questão de opinião?

Por outro lado, escutar uma boa música não é somente o ato de fazer o seu download, mas realmente visitar uma loja, comprar um cd ou dvd e curtir o conteúdo. E este “curtir” não está somente relacionado ao ato de ouvir na essência da palavra, mas perceber a grandiosidade de outros fatores como a parte gráfica e artística. O álbum “In Through the Out Door” do Led Zeppelin, por exemplo, teve várias capas consideradas artísticas e que a pessoa só a descobria quando abria o envelope selado do disco de vinil. Sim, você leu certo: vinil.

Embora pareça um texto saudosista – e não deixa de ser – voltar às raízes e aos bons hábitos sempre nos fazem refletir sobre as mudanças e suas possibilidades de inovar. Os bons hábitos não devem ser simplesmente ações repetitivas sem um propósito e benefício: devem partir do individuo onde conscientemente poderá usufruir dos resultados. Praticar bons hábitos leva a outros melhores. Escrever um ensaio, como este, por exemplo, é um bom hábito que perpetuo faz décadas!

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