Pedro de Santi
No último sábado, dia 18/08, recebemos na ESPM pais de alunos do ensino médio, num evento que realizamos regularmente.
O Bate papo com os pais costuma tratar das questões relativas à escolha da carreira e transição para a vida adulta mas, neste ano, tomamos um caminho distinto.
Ante as recentes notícias sobre suicídio e depressão entre jovens, propusemos uma reflexão sobre como nós, adultos, temos apresentado o futuro para eles. Na medida em que somos seu modelo, será que olhando para nós e ouvindo como descrevemos nossa vida, eles se sentem motivados a passar para o lado de cá? Fiz esta pergunta aos pais presentes e a resposta foi espontânea e imediata, num sentido negativo.
Falamos também sobre o quanto nossas próprias inseguranças com relação à sua educação e riscos pelos quais passam podem nos ajudar a estabelecer uma relação mais empática e dialogada com eles.
Na conversa que estabelecemos com os pais, algo que sempre abordo é o quanto o processo pelo qual os jovens se tornam adultos passa pela ruptura com seu lugar de filhos e pela busca de uma identidade própria. Enquanto este processo de autoafirmação se dá, o jovem costuma se distanciar da família e construir laços socais com novos pares. Este é um ciclo da vida: nascer mais protegido no ninho e, progressiva e gradativamente desmamar e construir uma vida própria. Do fechamento no ambiente protegido familiar ao convívio social mais amplo, faz-se o próprio percurso do complexo de Édipo, para a psicanálise.
O enunciado que sempre gera uma reação tensa dos pais é aquele em que digo: a função dos pais é ficar para trás; pais que cumpriram seu papel ajudaram na formação de alguém relativamente autônomo, que conduz sua vida e, neste sentido, vai embora da casa dos pais. Para aliviar a tensão, recorro ao humor e costumo acompanhar este enunciado dizendo que, com ele, exerço um de meus melhores talentos: perder amigos.
Neste encontro, pela reação de alguns pais, minha brincadeira parece ter se realizado. Em geral, os pais entendem o sentido geral de que a emancipação de seus filhos como sujeitos adultos deve custar parte de sua condição de filhos, aqueles dos quais cuidaram por tanto tempo e para quem sonharam tantas possibilidades. Isto implica num trabalho de luto, por parte dos pais e também dos filhos.
Neste ano, no entanto, a reação pareceu maior. Alguns pais e mães se manifestaram pela necessidade do fortalecimento e permanência da família nuclear dos pais, e isto por mais tempo, avançando na vida adulta. Enquanto isto, apontavam o enfraquecimento da família como a causa de muitos dos sofrimentos atuais. Com isto, alguns pleiteavam inclusive uma maior presença nas instituições de ensino superior e acesso às notas dos filhos, já maiores de idade.
A violência e os riscos atuais justificariam a extensão do monitoramento dos pais sobre os filhos. Mesmo que eles se lembrem bem do quanto almejavam liberdade à mesma idade, as transformações de condição de vida teriam piorado, o que demandaria um controle maior. Ou será que o medo dos pais se dá justamente por lembrarem de como desfrutaram de sua juventude?
Minha proposição de um desmame progressivo foi ouvida por alguns como ruptura abrupta. De uma vida protegida, para serem largados no mundo aos 18 anos. É claro que a ruptura será grande no caso em que, até aquela idade, os filhos não tenham tido a oportunidade de ir gradativamente se expondo ao mundo. Em outros termos, é papel da família preparar os filhos para viverem longe de sua proteção; e isto é feito ao propiciar experiências muitas vezes frustrantes. E para muitos, como sabemos, é difícil dizer não para os filhos, com medo de perder seu amor.
Como psicanalista, sustentei a ideia de que o excesso de monitoramento mantem os filhos infantilizados e os impede de amadurecer, no que fui apoiado também por alguns dos pais presentes.
Ao mesmo tempo, posso entender a perspectiva daqueles pais que pleiteavam uma tutela estendida dos jovens pela família. Num mundo em crise- de valores e de ideais de futuro- compreende-se o anseio por um retorno à raiz, às referencias anteriores perdidas, uma vez que novas não se firmaram. E a família encarna esta raiz de forma importante.
O atual renascimento de um sentimento conservador, no Brasil e no mundo, pode ter também este sentido.
E se voltamos à família tradicional e a valores antigos, provavelmente caducos, isto dá o testemunho da dificuldade em nos sustentarmos no mundo adulto, democrático, líquido, não tutelado, no qual cada sujeito deve responsabilizar-se por si e por suas ações. Pena.