Academia sem escritores

Por Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

Você já leu algum livro de Tarcísio Padilha? E de Cícero Sandroni? Sabe de alguma tradução de algum texto de Murilo Melo Filho? E de Geraldo Holanda Cavalcanti? Já ouviu anunciar alguma indicação para algum prêmio literário no exterior que elencasse como possíveis ganhadores os senhores Alberto Venâncio Filho ou Merval Pereira?

Você desconhece esses nomes? Tudo bem, você conhece José Sarney. Mas não vale o curriculum político. O que queremos saber é que você aponte agora, na ponta da língua, o título de três livros ou três contos do escritor José Sarney. Não lembra nenhum? Então sobrou quem? Paulo Coelho? Mas este é escritor, mago ou garoto propaganda de balcão de vendas em feiras internacionais?

Pois é, não estamos falando de uma comunidade secreta. Estamos falando da nossa Academia Brasileira de Letras, constituída por um punhado de ilustres escritores quase desconhecidos. Ou então muito conhecidos, aos quais cairia melhor outro título qualquer, exceto o de escritor.

A esse seleto time (são 40 os acadêmicos) veio juntar-se esta semana o nome de Fernando Henrique Cardoso. Eleito com 34 dos 39 votos possíveis, FHC passou a ocupar o lugar de João Scantinburgo. (Quais textos mesmo o senhor Scantinburgo publicou?). FHC é autor e coautor de 24 livros. E explicou-se alegando constrangimento em candidatar-se à Academia na condição de ex-presidente: “Não queria que confundissem meu status de presidente com minha qualidade de intelectual”.

A afirmação, a quem possa soar estranha, é de uma coerência capaz de arrancar a admiração de Diógenes, se vivo fosse. Não foi ele, o presidente eleito, que afirmou após a primeira eleição, “esqueçam o que escrevi”? Então é como se Academia que, teoricamente, congrega escritores e homens de algum modo relacionados ao universo das letras, existisse mais numa espécie de não lugar, no qual a escrita, literária ou não, fosse um elemento desprezível.

E os escritores, afinal, onde estão? Ou melhor, há escritores no Brasil? Enquanto a crítica fica discutindo a crise do romance, o que parece mais real é a crise de escritores, pois o que encontramos nas prateleiras de lançamento, apesar do incenso das resenhas, é uma mistura de diários íntimos e, como se dizia antigamente, composições escolares.

Assim, a Academia vai se compondo de ilustres desconhecidos ou famosos alheios à escrita. A título ilustrativo, recomendo ao leitor o artigo “Dentro da academia e fora da literatura”, de João Alexandre Barbosa, publicado em 2003 na Revista Cult por ocasião da eleição de Paulo Coelho.

Enquanto isso, um intelectual do porte de Antonio Cândido, sem dúvida o nome mais importante que poderia integrar o grupo dos imortais de fardão, a cada vez que a Academia cogita sua eleição, responde do alto dos seus 95 anos: “Não quero. Prefiro ficar em casa estudando”.

Para ler outros textos do Professor Veronese, consulte o blog CPV Vestibulares (link Dicas Culturais do Verô)

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