A China de Mao e a China de hoje

Por Cesar Veronese, Professor do CPV Vestibulares

A indústria cultural de massa reduz tudo e todos a números. Despreza a ética, reifica as pessoas e avalia as manifestações culturais apenas como produtos capazes de gerar dinheiro. Felizmente, há resistências contra esse massacre. E o Festival de Cinema Independente, o Indie, que se estende até dia 03.10., no Cinesesc, é uma delas.

O forte do festival são as retrospectivas. Uma delas, homenageia o diretor chinês Wang Bing. Revolvendo o passado, enveredando por aldeias longínquas e desafiando o governo, Bing é um diretor interessado no lado B do país. Desde 1949, quando o comunismo triunfou, a China é um país de poder absolutamente centralizado. E a propaganda partidária sempre se encarregou de mostrar um país grande, no qual a população e o governo participam de um projeto coletivo de construção de uma grande sociedade.

Wang Bing desconstrói parte dessa mitologia, seja do país governado por Mao ou da China de hoje, de capital aberto. Entre seus filmes está A VALA, uma reconstituição feita a partir de relatos de sobreviventes do campo de reeducação de Jiabangou, no coração do deserto de Gobi. Na década de 1950, o governo enviou para esse campo mais de três mil intelectuais. O trabalho árduo e o clima implacável determinaram a morte de boa parte dos prisioneiros. Premidos pela fome, alimentavam-se de gramíneas, insetos e ratos, mas estes eram insuficientes para todos  e a fome acelerou o número de óbitos.

Hoje vemos diariamente no noticiário os números da China superpotência. O crescimento de mais de 10% ao ano, arranhacéus erguidos em 30 dias, a liderança em vários setores da indústria. O progresso, como sempre, esconde sua outra face. A OESTE DOS TRILHOS, documentário com mais de 9 horas de duração (e que será exibido em 3 partes entre os dias 25 e 27.09), mostra em detalhes o declínio da indústria de Shenyang, no distrito de Tiexi. A mudança da linha de produção fez com que todas as fábricas começassem a ser fechadas e, consequentemente, os trabalhadores ficaram desamparados nos programas assistenciais.

PETRÓLEO BRUTO, com quase 15 horas de duração (desmembrado em três partes entre os dias 01 e 03.10) retrata, em tempo real, um dia na vida dos que trabalham na extração de petróleo na província de Qinghai, no leste do país. SOZINHA e TRÊS IRMÃS entram no cotidiano de três irmãs (de 4, 6 e 10 anos), isoladas numa aldeia a 3 mil metros de altitude. A mãe as abandonou e o pai vive na cidade, onde o custo de vida elevado não permite reunir a família. ATÉ QUE A LOUCURA NOS SEPARE, filmado em tempo real, é um cruel retrato de um hospício, cujas instalações e condições de higiene são precaríssimas.

No contraponto da China de um passado nem tão remoto, quando o Partido Comunista se autoproclamava a salvação da humanidade, e da China de hoje, cujo crescimento econômico é propagandeado como a oitava maravilha do mundo, o que constatamos, no plano da realidade social, é uma idêntica afirmação de poder, o desprezo pelo indivíduo e o desrespeito aos mais elementares direitos humanos.

Para ler outros textos do Professor Veronese consulte o blog CPV VESTIBULARES (link Dicas Culturais do Verô)

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