Nos EUA, teles estão revendo os planos

John Stankey, presidente da empresa de telecomunicações AT&T, exultava no mês passado com o sucesso do filme “Godzilla x Kong”, nas bilheterias e na plataforma de streaming HBO Max – a tentativa do grupo de desafiar a Netflix. 

Nesta semana, pareceu mais um executivo tradicional do setor de telecomunicações, enquanto esboçava a “fascinante oportunidade” de fazer crescer a fatia da AT&T nos mercados de banda larga e serviços móveis 5G. 

Na segunda-feira, a AT&T anunciou que vai desmembrar e fundir a WarnerMedia com a rival Discovery. A WarnerMedia foi comprada há apenas dois anos por um valor total de US$ 108,7 bilhões. 

A reviravolta se deu apenas duas semanas depois que sua concorrente Verizon desistiu de suas ambições no campo da mídia, que nasceram em 2015 quando ela pagou US$ 4,4 bilhões pela AOL. Os dois componentes do desastroso negócio AOL-Time Warner na virada do século foram comprados e depois vendidos pelas duas maiores teles dos Estados Unidos com grande rapidez. 

O setor de telecomunicações há muito é fascinado por Hollywood, contrariando a noção de que o setor é pouco mais do que uma coleção de “dumb pipes”, jargão usado para definir as redes que atuam como simples canais de distribuição de conteúdo de valor criado por outras companhias. 

Na virada do século a Telefónica da Espanha fez um malfadado acordo para comprar a Endemol, criadora do “reality show” Big Brother, enquanto outras criaram operações de transmissão de esportes, bancaram estúdios de criação de conteúdo e compraram canais de TV. 

A combinação “telecomunicações-mídia” envolve um grande custo e empresas como AT&T e Verizon abraçaram a ideia de que se concentrar nos seus próprios canais de distribuição pode não ser uma coisa tão simplória, afinal. 

“É como acontece com as cigarras. A cada 17 anos as teles tentam entrar no ramo da mídia”, diz Craig Moffett, analista da MoffettNathanson, que se lembra de executivos falando sobre as oportunidades no ramo da mídia em 1984. Na época, a indústria de telecomunicações dos EUA passava de um monopólio apoiado pelo governo para um negócio competitivo. 

Stankey, um veterano das telecomunicações, foi a força por trás da aquisição da Time Warner e da empresa de TV por satélite DirecTV pela AT&T. Em quatro meses ele desfez uma década de seus próprios negócios na mídia – com um custo pesado para os acionistas. 

Em fevereiro a AT&T vendeu 30% da DirecTV à TPG, uma companhia de private equity, e a transformou em uma nova empresa avaliada em US$ 16 bilhões – isso é cerca de um quarto do que a empresa valia há seis anos, quando a AT&T a comprou. 

A isso seguiu-se uma rápida sucessão de cisões e fusões da WarnerMedia com a Discovery, em troca de US$ 43 bilhões em dinheiro e a retenção da dívida da companhia recém-criada, além de uma participação de 70% na companhia aumentada. Combinados, esses negócios destruíram mais de US$ 50 bilhões em patrimônio dos acionistas, segundo cálculos do “Financial Times”. 

O valor de mercado da AT&T desde outubro de 2016, quando ela anunciou o negócio da Time Warner pouco mudou, permanecendo em US$ 230 bilhões. Por outro lado, o valor da Disney mais que dobrou para US$ 150 bilhões. 

Stankey foi promovido a presidente da AT&T em 2020, substituindo Randall Stephenson, que tentou enfrentar os produtores de Hollywood comprando a Time Warner, garantindo um ativo que escapou pelos dedos de Rupert Murdoch. 

Jeff Bewkes, presidente da Time Warner na época, percebera o avanço da Netflix e orquestrou a venda da companhia a um grupo de tecnologia endinheirado que pudesse cobrir os custos de conteúdo no futuro. 

Mas a lista era pequena. Facebook e Google não demonstraram interesse. A Apple chegou a negociar mas não bateu o martelo, segundo fontes a par das negociações. A Comcast já havia comprado uma empresa de mídia, assim como a Verizon. Com isso, sobrou a AT&T. 

Esse negócio transformou a AT&T na empresa mais endividada do mundo, com um dívida líquida de US$ 180 bilhões. Além disso a DirecTV vinha perdendo assinantes desde 2017 e esse ritmo de perda vinha acelerando. 

A experiência da Verizon na mídia também custou bilhões de dólares. A companhia gastou US$ 9 bilhões para comprar a fundir a AOL e o Yahoo, que ela “vendeu” como uma chance de alcançar o Google e o Facebook na propaganda digital. 

A Verizon promoveu uma baixa contábil no valor de seus ativos de mídia – compreendendo propriedades como Tumblr, The Huffington Post, TechCrunch e Yahoo Sports – de quase US$ 5 bilhões e, depois de tentar vendê-los repetidas vezes, finalmente montou uma venda de US$ 5 bilhões para a Apollo neste mês. 

A Verizon e a AT&T gastaram quase US$ 70 bilhões comprando o espectro de banda C em fevereiro para reforçar sua cobertura 5G, fornecendo mais um gatilho para uma reconsideração sobre seus investimentos em mídia. 

Nick Read, presidente da Vodafone, disse que “nunca acreditamos, enquanto companhia, que deveríamos entrar na área de conteúdo. As empresas de telecomunicações e mídia possuem modelos de negócios diferentes” 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/05/20/nos-eua-teles-estao-revendo-os-planos.ghtml

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