Há bem pouco tempo, sustentabilidade, preocupação com o meio ambiente, investimentos verdes e consumo consciente eram ideias que circulavam entre poucas pessoas no mundo. Não consigo dizer quando isso mudou. Mas sei que já ultrapassamos o estágio de preocupação de nicho para uma discussão que permeia todos os setores da economia. Prova disso é que dois componentes importantes desta engrenagem estão em sintonia – consumidores e investidores.
Em setembro do ano passado, atentas ao aumento do interesse dos investidores pelo assunto, a B3 e a S&P Dow Jones lançaram o índice S&P/B3 Brasil ESG, cujo objetivo é medir o desempenho de títulos que seguem determinados critérios de sustentabilidade. O índice excluiu ativos que estejam ligados a atividades comerciais específicas, como armas controversas, tabaco, carvão térmico e empresas com pontuações desqualificadoras segundo o Pacto Global das Nações Unidas (UNGC, pela sigla em inglês). Depois disso, as companhias que ainda são elegíveis para o índice são ponderadas no benchmark pela sua pontuação ESG da S&P DJSI resultante da Avaliação de Sustentabilidade Corporativa (CSA).
Do lado dos consumidores, o interesse também aumenta. Um estudo do UBS Evidence Lab, de abril de 2021, que ouviu 5 mil pessoas nos Estados Unidos, Reino Unido, França, Brasil e China para saber de que maneira a sustentabilidade afeta a decisão de compra, concluiu que a sustentabilidade é o 6o critério mais importante na tomada da decisão – 40% dos entrevistados deixariam de comprar uma determinada marca que não respeitasse padrões de sustentabilidade e ética -, acima de recomendações (33%), design (26%) e atendimento ao cliente (24%).
Para nós, a pesquisa é ainda mais impactante, já que o Brasil é a região com a maior parcela de entrevistados preocupados com a sustentabilidade (47%). Aqui, o critério é o 5o mais importante na decisão de compra. Também estamos mais dispostos a pagar mais por marcas “ecologicamente corretas”. Enquanto a média entre os entrevistados é de 9% como prêmio, no Brasil avaliamos que vale a pena pagar até 11% mais por produtos sustentáveis. Só estamos abaixo dos Estados Unidos, que aceitam até 13% a mais no valor da compra.
Os números não deixam dúvidas de que o contexto mudou. O “ponto de virada”, como destacou o jornalista canadense nascido na Inglaterra Malcolm Gladwell, em seu livro “The tipping point”, se forma quando pequenas mudanças aceleram e fazem com que um comportamento se espalhe até se tornar uma tendência. Já passamos do momento das poucas iniciativas. Hoje, empresas enxergam este caminho e reforçam pesquisa e desenvolvimento para chegar a produtos mais sustentáveis.
Nesse sentido, o relatório do UBS Evidence Lab sobre ESG faz um alerta: é possível que o mercado esteja subestimando o custo de implementação de iniciativas de sustentabilidade, o que pode ter um impacto profundo na entrega de margem futura. Além disso, os investidores podem estar negligenciando os riscos associados a negócios que não pontuem bem no ESG, à medida que a conscientização dos consumidores sobre as questões cresce e impacta suas decisões de compra. Para quem não fez a transição, portanto, chegou a hora, porque as pessoas já perceberam que a forma como consomem é a principal ferramenta de transformação do mundo.
Conhecido por ser o segundo mais poluente, atrás apenas do petróleo, o setor da moda vive essa transformação. Uma pesquisa, de janeiro de 2020, da GlobalData (citada pelo Sebrae), que ouviu 3,5 mil mulheres americanas, apontou que o mercado de “segunda mão” vai superar o de vendas tradicionais até 2024. A chamada geração Z, formada por pessoas com menos de 24 anos, tem puxado essa mudança.
Além da preocupação com o meio ambiente, consumidores de moda também estão atentos ao compromisso das empresas com a responsabilidade social – outro pilar do ESG. Para garantir um engajamento nesta área, empresas, profissionais do setor e consumidores se reuniram em um movimento global, a Fashion Revolution – campanha realizada anualmente desde 2013, quando um edifício em Bangladesh desabou matando mais de mil trabalhadores de confecções de roupas. O objetivo do movimento é garantir que haja uma preocupação com as relações de trabalho, com justiça social e bem-estar. No Brasil, além da semana dedicada ao movimento – que acontece sempre nos meses de abril -, as marcas apresentam seus produtos sustentáveis na “Brasil Eco Fashion Week”, que em 2020 realizou a 4a edição.
Outro setor que sente o impacto do poder do consumo sustentável é a alimentação, mais especificamente o de orgânicos, onde a pandemia acelerou o processo de transição. Muitas famílias passaram a fazer refeições em casa e começaram a valorizar a qualidade e sustentabilidade dos produtos. O segmento cresceu 30% no ano passado, na comparação com 2019, e movimentou R$ 5,8 bilhões. A avaliação, realizada em fevereiro de 2021, é da Organis, uma entidade sem fins lucrativos que divulga conceitos e as práticas orgânicas.
A entidade também destaca o preço dos produtos, que deve ficar cada vez mais próximo do valor das mercadorias convencionais. Isso porque as grandes redes de supermercados estão atentas ao interesse dos consumidores e têm aumentado a oferta. Além disso, a pandemia consolidou o comércio online neste setor, o que aproximou o pequeno produtor de quem compra na ponta. Não é raro encontrar pessoas que recebem suas cestas de orgânicos em casa. As entregas são feitas diretamente por comerciantes de bairro que buscam produtos em chácaras e sítios localizados no entorno das grandes cidades.
São essas as pequenas mudanças que Malcolm Gladwell destaca em seu best-seller como impulsionadoras de “pontos de virada”, os quais provocam efeitos extraordinários na sociedade. Quem acordar mais cedo para a necessidade desta transição, seja uma grande empresa ou um projeto menor, estará mais apto para capturar esta inexorável tendência do mercado consumidor e de investimentos. Como se diz em Inglês: “follow the money”, e o dinheiro está (felizmente) indo nesta direção, não tenho dúvidas a respeito.
Sylvia Coutinho é presidente do UBS
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/esg-o-ponto-de-virada-e-agora.ghtml