Durante todo o outono do Hemisfério Norte, o produtor Greg Berlanti tentou salvar o drama Você. A série estreou na rede de TV a cabo Lifetime em setembro, mas a audiência era praticamente inexistente: cerca de 650 mil pessoas sintonizavam cada episódio do thriller sobre um psicopata, vivido por Penn Badgley. Mesmo Berlanti, um dos produtores mais bem-sucedidos da televisão, graças a programas como Riverdale, Arqueiro e Ponto Cego, admitiu em uma entrevista que “quase ninguém viu” a atração.
Ele procurou repetidas vezes os executivos da Lifetime, pedindo paciência e defendendo a segunda temporada. Não foi suficiente. No início de dezembro, a Lifetime anunciou que a história de Você não seguiria adiante.
Mas, logo depois do Natal, algo aconteceu. A série começou a virar alvo de debate nas mídias sociais. As pessoas procuravam a atração online. Sites de entretenimento como The Ringer estavam escrevendo sobre o show. O que mudou? Ele passou a fazer parte do catálogo da Netflix.
Berlanti ouviu até da família e de amigos sobre o quanto gostavam do novo programa, ignorando o fato de que havia estreado meses antes. “Isso foi diretamente proporcional ao quão jovens as pessoas são”, disse ele. “Quanto mais jovens, mais eles discutem o programa como se nunca tivesse existido antes de 26 de dezembro.”
Na semana passada, a Netflix informou que Você atraiu o público e se tornou um “grande sucesso”. O serviço de streaming disse que a série foi assistida por quase 40 milhões de pessoas nas primeiras quatro semanas do serviço.
A divulgação da audiência da Netflix – uma das poucas vezes em que o serviço tornou esses números públicos, sete anos depois de começar a transmitir séries originais – desencadeou um terremoto na indústria.
Os números podem ser levados a sério? Seria possível que um programa que fracassou na TV a cabo possa se tornar um êxito global graças ao serviço de streaming? A Netflix tem 139 milhões de assinantes, sendo 58,5 milhões nos Estados Unidos. A Netflix já é uma rede de TV e um estúdio de cinema. E a questão agora é: será que a Netflix virou sinônimo de televisão? Ou seja: se as atrações não estão lá, acabam por ser ignoradas?
Segundo Daniel D’Addario, um crítico de TV da Variety, o fato de Você ter fracassado na Lifetime e ter sido tratado pelo público como uma produção original da Netflix será lembrado como um ponto importante na mudança do estilo de consumo de conteúdo televisivo.
No entanto, é importante lembrar que o canal Lifetime – dedicado ao público feminino – não tem audiência baixa. O documentário Surviving R. Kelly, por exemplo, foi um dos principais êxitos da TV americana do início de 2019.
Greg Berlanti disse que Você deixou de ser um dos programas menos assistidos em que ele já trabalhou para se tornar o mais assistido em mais de 20 anos de carreira em televisão. A Netflix vai produzir uma segunda temporada. As filmagens começam em fevereiro.
Essa não foi a primeira vez que a Netflix teve sucesso com uma série de terceiros. A série Riverdale, também produzida por Berlanti, estreou na Netflix após a primeira temporada ter sido exibida pelo canal CW. A emissora de TV por assinatura viu sua audiência aumentar 42% na segunda temporada de Riverdale, graças ao público que descobriu a atração na Netflix. O serviço de streaming teve esse mesmo efeito no drama da AMC Breaking Bad, vencedor do Emmy, que também ganhou público graças à exibição de temporadas anteriores na Netflix.
Executivos de redes rivais reclamaram da audiência divulgada pela Netflix. Isso porque o serviço disse que 40 milhões de pessoas assistiram pelo menos 70% de um episódio da série, que tem um total de dez capítulos na primeira temporada.
Usando o método da Netflix, é possível inferir que a série The Big Bang Theory, da CBS, teria audiência muito maior se, em vez de divulgar a média dos espectadores por episódio – 12,7 milhões –, escolhesse medir quem assistiu a pelo menos 70% de um só capítulo da atração.