Varejo digital faz R$ 100 bi na pandemia

O varejo que ressurge no país, após os primeiros meses de pandemia, alcançou uma escala inédita no meio digital, com forte expansão das vendas, mas essa retomada ocorre de forma desigual no país. Além disso, o ambiente de competição mais acirrada leva a uma queda nas margens das redes. Uma segunda onda da covid-19, se confirmada, tende a acentuar esse quadro, dizem especialistas. 

Levantamento feito pelo Valor mostra que 16 grandes varejistas movimentaram neste ano, até setembro, a soma recorde de R$ 97,93 bilhões em suas plataformas (sites e aplicativos) no país, montante 78% superior a do ano anterior. Isso equivale à metade da receita líquida da JBS, a maior empresa brasileira, no mesmo período. Os quase R$ 100 bilhões referem-se ao valor total das vendas próprias das grandes redes e de lojistas que recorreram às plataformas dessas redes (ou marketplaces, no jargão do setor) para tentar escapar da crise atual. 

Ao se incluir nesse cálculo as lojas físicas das cadeias, que ficaram parte do ano fechadas, as vendas alcançaram R$ 127, 8 bilhões de janeiro a setembro, um avanço de 39,7% sobre 2019. “O comércio eletrônico cresce hoje mais que as lojas físicas, e o ‘marketplace’, por sua vez, cresce mais que a venda on-line dos produtos próprios das redes”, disse Eduardo Terra, sócio-diretor da BTR Educação e Consultoria. “Por isso, no fim das contas, o marketplace hoje é o grande vitorioso dessa crise”. 

Esse cálculo considerou dados de vendas totais das 15 varejistas incluídas no Icon, o índice de empresas de consumo da B3, e também do Mercado Livre. A pesquisa foi possível porque, neste ano, pressionadas por investidores e analistas atentos a esses números, mais redes abriram detalhes sobre vendas feitas pela internet. 

Para avançar nessa análise, o Valor Data comparou os números totais dos balanços dessas companhias no terceiro trimestre (ver tabela). 

Pelos dados, a rentabilidade encolheu – a margem bruta média das empresas caiu quase três pontos no último trimestre, de julho a setembro, passando de 29,2% para 26,3%. Na avaliação de Claudio Felisoni, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (Ibevar), mesmo com os gargalos gerados pela falta de produtos nas lojas após março, como reflexo da paralisação das fábricas, a queda na demanda e o excesso de estoque – em segmentos como moda – derrubou as margens. 

“Isso ocorre porque a dinâmica do mercado, ou seja, a necessidade de remarcar preços, pesou mais que a estrutura de custos das empresas em alguns casos”. Todas as redes de moda perderam margem no trimestre (, Riachuelo, Marisa, C&A, Hering e Centauro).

Sobre o lucro líquido, dois terços das empresas analisadas tiveram queda nessa linha sobre 2019 – ou o ganho do ano anterior virou prejuízo no terceiro trimestre. Na soma total, o lucro das cadeias chegou a crescer, com alta de 54%, para R$ 1,9 bilhão de julho a setembro, porque a Via Varejo e as redes de varejo alimentar GPA e Carrefour (setor que mais cresceu na pandemia) chegaram quase a triplicar seu resultado no período. 

Os números ainda mostram uma queda no investimento das empresas neste ano e uma alta discreta na base total de lojas. 

O valor investido pelas rede analisadas caiu quase 13% de janeiro a setembro, para R$ 5,6 bilhões, com 70% das empresas reduzindo o montante. No mesmo período, o número de lojas somadas das empresas alcançou 11.278 pontos, aumento de 2,5%. 

Foram cerca de 300 unidades a mais no ano no saldo final, mas basicamente de duas cadeias – RD e Magazine Luiza. Sobre demissões durante a pandemia, a variação do quadro de empregados em 2020 ainda não foi divulgada nos balanços. Isso deve ocorrer no ano que vem. Parte das empresas dizia meses atrás que se comprometia com a manutenção dos quadros. Entre as 15 empresas, Riachuelo e IMC fizeram demissões desde março. 

Em termos regionais, há um desequilíbrio no desempenho, mas ele vem se reduzindo desde outubro. As lojas físicas ainda respondem por cerca de 90% das vendas do varejo local (eram 95% antes da pandemia), e como elas voltaram a operar em diferentes horários de funcionamento pelo país, quem retomou antes saiu na frente. 

Há também o efeito do auxílio emergencial que teve peso maior em áreas com menor renda. Números divulgados por shoppings e pelas redes mostram que no Norte e Nordeste, as lojas perderam menos vendas do que Sul e Sudeste. 

Segundo a BR Malls, com 31 shoppings no portfólio, os estados nordestinos tiveram queda de 10% nas vendas “mesmas lojas” (pontos abertos há mais de um ano) de julho a setembro. No Sudeste, a retração foi de 33% e no Sul, de 43%. 

A Aliansce Sonae, em setembro, apurou queda no fluxo de clientes nos empreendimentos no Nordeste de quase 27%. Em São Paulo, o recuo atingiu 40%. “O Rio de Janeiro e o Nordeste voltaram mais rápido. Belém e Manaus também têm se mostrado mais resilientes do que São Paulo, por exemplo”, disse Daniella Guanabara, diretora de estratégia da Aliansce Sonae. 

Uma das dúvidas do mercado é como esse processo de retomada pode ser afetado por uma possível segunda onda de contágio. “Ainda há muitas incertezas, o que deixa uma grande incógnita a respeito do desempenho do varejo no primeiro trimestre de 2021”, disse Felisoni. “Se municípios e estados forem indo e voltando nas fases de seus planos de controle, esse desequilíbrio tende a se aprofundar”. 

Para consultores, mesmo que o contágio cresça, empresas com site e lojas integrados, e com marketplaces mais maduros, sentem menos os efeitos da crise. “Quem já tem um ecossistema competitivo, e são poucas operando assim, já estão ganhando mercado. Não à toa, grupos com um marketplace inexistente, como GPA, ou menores que o de concorrentes, como Via Varejo, estão correndo com seus projetos neste ano”, disse Terra. 

Uma das dificuldades nesse processo é tornar o marketplace rentável. E para isso ocorrer, as vendas que passam pelas plataformas têm que virar receita e lucro. O levantamento do Valor mostra que, se as transações pelo digital cresceram 78% de janeiro a setembro, a receita líquida das empresas avançou apenas 2,64%, para R$ 180 bilhões. O resultado vem da cobrança pelos serviços (entrega, armazenagem). “Se você não tiver um ecossistema funcionando bem, com o lojista usando e pagando pela estrutura que a rede já tem, o marketplace não vai parar de pé. Esse é o desafio que o varejo no Brasil já começa a enfrentar”, diz Terra. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/11/23/varejo-digital-faz-r-100-bi-na-pandemia.ghtml

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