Em crescimento acelerado, o varejo on-line vem provocando um rearranjo do setor de logística. Empresas como Mercado Livre, Magazine Luiza, B2W e Via Varejo, abraçam cada vez mais a gestão da entrega de produtos, conforme avançam as vendas feitas por terceiros em seus shopping centers na internet, os chamados “marketplaces”. A ideia é garantir que o cliente fique satisfeito, e volte a comprar, e consolidar uma fonte extra de receita.
No segundo trimestre, 96% das vendas totais do Mercado Livre no Brasil passaram pelo Mercado Envios, seu braço de logística. Dessa fatia, 51% foi feita pela Melinet, como é chamada a estrutura de serviços logísticos com operação própria, que oferece coleta e entrega de mercadorias, armazenagem e entrega, e entrega expressa. E esse índice deverá ser maior no terceiro trimestre, de acordo com Leandro Bassoi, vice-presidente do Mercado Envios para a América Latina. “Nós acreditamos que dominar a logística é um dos grandes fatores que farão os clientes terem cada vez mais uma experiência melhor e, por consequência, mudarem seus hábitos de compra do mundo off-line para o on-line.”
Dos R$ 4 bilhões de investimentos previstos para o ano, parte expressiva vai para a divisão logística. Na semana passada, o Mercado Livre começou a operar seu terceiro centro de distribuição (CD), em Lauro de Freitas, na Bahia. Outro, na região Sul, deve ser inaugurado ainda este ano.
Operação própria, porém, não significa compra de ativos como caminhões e, para algumas empresas, nem mesmo de CDs. “Podemos dizer que a cadeia logística passa por uma verticalização, mas isso não significa ser dono de ativos e, sim, criar tecnologia para ser mais eficiente e permitir que tudo passe por dentro do nosso sistema”, diz Bassoi, destacando que a empresa mantém parcerias de médio e longo prazo com transportadoras.
A visão é compartilhada por Sérgio Leme, vice-presidente de operações da Via Varejo. Segundo ele, não há necessidade de investir em ativo físico próprio, mas, sim, no que ele chama de “ativo intelectual”. Nem mesmo os CDs das operações das Casas Bahia e Ponto Frio são da varejista e, sim, alugados com contratos de longa duração. É nessa lógica que a companhia anunciou em abril a compra da ASAP Log, empresa de tecnologia que conecta lojas e entregadores. “Vemos a logística também como um braço de negócio”, diz Leme, apontando que além de aumentar a escala de entregas da Via Varejo, a ASAP Log trouxe clientes de fora do ecossistema da empresa.
A tendência agora é que as grandes varejistas, em especial as que nasceram no comércio tradicional, ampliem a oferta de logística para os vendedores de seus marketplace. Ainda este ano a Via Varejo vai passar a oferecer aos terceiros que vendem por meio de sua plataforma a opção de utilizar sua malha de transportadoras parceiras para coletar o produto e fazer a entrega na casa do cliente, sem que ele necessite buscar um fornecedor externo. Esse serviço já é uma opção oferecida pelo Magazine Luiza a cerca de mil vendedores (que representam aproximadamente 20% das vendas totais do marketplace), além da possibilidade de retirada em lojas da varejista, o que a Via Varejo espera oferecer a partir de 2021.
“Com o ‘Magalu a seu serviço’ oferecemos aos nossos parceiros a logística e as regras que usamos em nossos serviços e as entregas ficam mais baratas e mais rápidas”, afirma Leandro Soares, diretor-executivo de marketplace da varejista. Ele afirma que a aquisição da startup de logística Logbee em 2018 ampliou a escala, especialmente nas entregas na última milha, mas diz que questões geográficas e de volume de vendas ainda limitam a capacidade de ampliação da oferta de gestão das encomendas a mais vendedores. Na Via Varejo, Leme diz que um dos desafios são as diferentes regras tributárias em cada Estado.
Como já fazem Mercado Livre e B2W, o Magazine Luiza e a Via Varejo também estudam a disponibilidade do modelo “fulfillment”, um pacote completo de serviços, em que os estoques de terceiros são armazenados pela varejista. À frente da logística da Via Varejo, Leme diz que o uso de alguns CDs por terceiros já está em fase de testes.
Na B2W, esses serviços estão sob o guarda-chuva da LETs, plataforma de gestão compartilhada dos ativos de logística e distribuição com a Lojas Americanas, sua controladora. São 17 centros de armazenagem e distribuição em oito Estados (MG, PA, PE, PR, RJ, RS, SC e SP) e até o fim de 2020, três novos serão abertos em outros Estados. Além disso, a empresa criou a Ame Flash, pela qual conecta vendedores com 20 mil entregadores independentes em mais de 700 cidades.
O avanço intenso das vendas on-line estimula as mudanças. De janeiro a julho, a movimentação logística do segmento cresceu 93% ante 2019, segundo a provedora de softwares de gestão Senior Sistemas, que atende médias e grandes varejistas. Mauricio Lima, sócio da consultoria ILOS, diz que o marketplace exigiu uma logística mais elaborada, levando a esse controle maior da gestão do processo, mas com intensificação da relação de dependência entre varejistas e agentes do setor, dos maiores até os menores.
O crescimento se estende até para outros segmentos. A locadora de caminhões e utilitários Vamos, diz que a receita com empresas ligadas ao comércio on-line passou de 5% do total para 7% de 2019 para este ano. Esses contratos são, de acordo com o diretor comercial José Geraldo Jr., com transportadoras exclusivas ou mesmo com varejistas, em especial do setor de alimentação, cuja logística tem características próprias, como refrigeração ou prazos mais curtos.
À frente da transportadora Jadlog, cuja maior parte do faturamento já vem das encomendas on-line, Bruno Tortorello diz que há uma potencial perda de receita para o setor conforme parte das atividades de logística são absorvidas pelas varejistas, mas avalia que a interdependência vai aumentar, com o comércio não abrindo mão do trabalho especializado das transportadoras. “Vai sobreviver quem agregar valor.” A empresa atende desde pequenos varejistas até Mercado Livre e Via Varejo, e diz que o volume diário de entregas do on-line dobrou ante o nível anterior à pandemia.
Já a Mandaê, que conecta vendedores a transportadoras, diz que esse grau de consolidação é um risco, mas que o comércio on-line independente cresce e dependente de solução logística. “Se o marketplace for o único canal, não é positivo para o ambiente on-line”, diz o fundador e presidente Marcelo Fujimoto. Em agosto, as entregas dentro do sistema da empresa cresceram 200% na comparação com o período anterior à pandemia.