Um estudo para dar voz aos ‘invisíveis’ na publicidade

Inclusão social não é modinha na publicidade, veio para ficar. Quem afirma é Eduardo Lorenzi, CEO da agência Publicis, integrante de um dos maiores grupos de publicidade do país, que atende 70 grandes anunciantes com orçamento anual de R$ 10 bilhões para investir em anúncios. 

Uma pesquisa feita pelo grupo neste ano sustenta a constatação de Lorenzi. Por quatro meses, 37 estrategistas das sete agências da Publicis no país – Leo Burnett, Talent Marcel, DPZ&T, Sapient AG2, One Digital, MSL Andreli e Publicis Brasil – ouviram representantes, líderes e especialistas de diversos grupos considerados “minorizados”, ou seja, subrepresentados nas peças publicitárias, embora sejam demograficamente majoritários ou expressivos. 

Sete segmentos foram ouvidos no trabalho da Publicis, intitulado Desiguais: negros, mulheres, LGBTs, autônomos, pessoas com mais de 70, com deficiência e imigrantes. Este grupo, embora em número menor, segundo o CEO, é muito vulnerável e merece também a atenção de empresas. 

Ele explica que optou pela pesquisa qualitativa porque já é grande o número de pesquisas quantitativas sobre essas populações. “Queríamos humanizar a realidade que os números nos mostram, dar rostos a eles”, acrescenta. 

Lorenzi diz que alguns clientes estavam demandando esse tipo de estudo e acredita que ele servirá como ponto de partida para muitas conversas e reflexões. “A pandemia só realçou problemas que já existiam e vão continuar existindo na sociedade brasileira”, observa. 

A pesquisa, que será encaminhada aos clientes e ao público na próxima semana, abre para os próprios personagens, de cada um dos sete segmentos incluídos no estudo, a oportunidade de se expressar com suas palavras. 

“É triste não ser invisível apenas em datas específicas ou ser usado nos discursos das marcas e empresas como se fôssemos objetos, porque é isso, muitas das vezes não passam de discursos”. 

A voz é de Maysa Mercês, assistente de planejamento da Publicis, pertencente ao grupo que representa 54% da população e se declarou preto ao pardo no último censo do IBGE. No entanto, apenas 6% deles se consideram representados nas campanhas publicitárias. 

O próprio grupo Publicis vem promovendo reuniões internas para equilibrar a presença de pretos entre os funcionários. “Temos que fazer nosso dever de casa, o chamado walk the talk (fazer o que diz)”, afirma o CEO. 

Embora tenha aumentado a presença de pessoas negras na publicidade, ainda há um longo caminho pela frente, constata o levantamento. “História, cultura, legado e presença, desconsiderados há quase quatro séculos”, resume Luize Oliveira, produtora do departamento audiovisual na agência, uma das entrevistadas. 

Não tão numeroso, mas muito discriminado, é o grupo LGBT+. Embora sejam 18 milhões de pessoas, com potencial de consumo de R$ 419 bilhões anuais, um terço das empresas, segundo dados citados pelo estudo, não os contratariam para cargos de chefia. O levantamento também aponta que 38% dessa comunidade já foi agredida alguma vez por pertencer à comunidade LGBT+ e um brasileiro morre a cada 28 horas. 

É uma verdadeira pandemia de ignorância, como caracteriza o estudo, onde o epicentro é o Brasil, que registra 40% das mortes de LGBTs no mundo. Realidade pouco discutida nas empresas e muito menos nas peças publicitárias. 

“O novo normal seria a comunidade ser representada numa amplitude muito maior que hoje. Indo além do mês do orgulho LGBT”, reivindica Diego Tavares, gay, preto e colaborador da Consultoria Diversidade Todxs (O x tem sido usado para abranger qualquer orientação sexual). 

Sobre a comunidade que não se identifica com os gêneros masculino e feminino tradicionais, a pesquisa apresenta um guia com a nomenclatura que as pessoas gostariam de ser reconhecidas: L, lésbicas; G, gays; B, bissexuais; T, transexuais, transgêneros e travestis; Q, queer (recusa a seguir normas e designações); I, intersexo; A, assexuais; e P, pansexuais. 

Para os entrevistados, o primeiro passo para combater a LGBTfobia é a informação. “Conhecimento é a solução para o novo normal”, afirma Daniela, bissexual, casada com um homem. 

Cada capítulo da pesquisa encerra com recomendações e sugestões de filmes, leituras para se entender melhor a realidade desses grupos. A respeito das mulheres, outra maioria “minorizada”, uma das recomendações é para não estimular modelos da “supermulher”, multitarefas e da beleza sem defeitos, mas convidá-las para liderar, contribuir e criar. 

Mulher e cadeirante, Tábata Contri, pergunta: “24% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, cadê essa galera no mercado de trabalho?” A pauta dos PCDs (Pessoas com deficiência) não se resume a rampas de escadas, “nós somos capazes também”, diz em outra entrevista Ludmila Galanzauskas, assistente de tráfego na agência Sapient AG2. 

Outro grande grupo crescente no país e desconsiderado por empresas e agências, segundo o estudo, é o dos autônomos. Podem ser de qualquer gênero, cor ou idade, mas foram os mais atingidos durante a pandemia. De cada 100 vítimas, 37 se declararam autônomos contra 21 com carteira assinada; 7 funcionários públicos e 10 donos de negócios. 

Quatro milhões de pessoas procuraram trabalho nos aplicativos de entrega ou transporte, sem garantias trabalhistas. A jornada média é de 64 horas por semana e o rendimento, R$ 1.312,00. Entre as recomendações dos grupos de trabalho estão “observar além do lucro imediato”, e promover “ações de apoio e empatia para construir uma percepção ética da marca”. 

O estudo chama atenção ainda para a população acima dos 65 anos, que frequentemente é estereotipada como inativa e improdutiva, embora represente 16% do poder de compra no país e seja provedora de suas famílias, em 64% dos casos. 

O menor segmento incluído na pesquisa é o dos imigrantes, 1,1 milhão no Brasil. O estudo lembra que a formação média do imigrante é maior que a média do brasileiros e sugere às agências e empresas que criem pontes e não barreiras para eles: “Podem acrescentar ‘diversidade e novos repertórios a suas equipes’”. 

O tema da inclusão é tão relevante que Lorenzi abre uma exceção rara entre comandantes de agências: elogia o trabalho de concorrentes, como a Almap que atende ao grupo Boticário, e faz há alguns anos peças com inclusão de pessoas fora do padrão tradicional em sua propaganda. 

“Sou de uma geração que não tem o menor problema em elogiar um concorrente quando ele está fazendo um bom trabalho”, afirma Lorenzi, paulistano, 45 anos. 

Ele lembra que um dos seus clientes, o Bradesco, já adotou a pauta há algum tempo. No último Dia dos Pais, por exemplo, exibiu um comercial só com personagens negros, com grande repercussão. E já fez outras peças incluindo pessoas com deficiência e do grupo LGBT+, como conta Lorenzi. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/11/06/um-estudo-para-dar-voz-aos-invisiveis-na-publicidade.ghtml

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