Última chance para a transição climátic

No Fórum Econômico Mundial em Davos este ano, duas pessoas se destacaram: Greta Thunberg, a ambientalista sueca de 17 anos, e Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. Em suas mensagens sobre as mudanças climáticas, os dois não poderiam ter sido mais antagônicos: pânico, confrontado com indiferença. Mas uma coisa que eles têm em comum é que não são hipócritas: Thunberg não finge que estamos fazendo algo relevante; Trump não finge que se importa. A maioria dos participantes do debate sobre as mudanças climáticas, no entanto, finge se importar, finge que faz alguma coisa, ou ambos. Se é para que algo seja feito de fato, isso precisa mudar. 

Nossa civilização continua a ser o que é desde o início do século XIX: uma civilização de combustíveis fósseis. Houve duas revoluções energéticas na história da humanidade: a revolução agrícola, que explorou muito mais a incidência de luz solar; e a revolução industrial, que explorou a luz solar fossilizada. Agora devemos retornar à luz solar incidente – energia solar e eólica -, juntamente com a energia nuclear, e ao mesmo tempo manter nossos altos padrões de vida. 

O objetivo desta última revolução energética, no entanto, não é elevar nosso padrão de vida diretamente, mas preservar o único lar que conhecemos no estado ao qual a vida está adaptada hoje. É evitar um experimento irreversível com o clima do nosso planeta. Até agora, no entanto, apesar de décadas de discussões, as tendências sobre as emissões de gases de efeito estufa continuam na direção errada. 

O que se deve fazer? As discussões no Fórum de Energia de Oslo esclareceram as coisas para mim. Minha principal conclusão é que uma transformação do nosso sistema energético atual para outro é a única opção. Alguns sugerem que também devemos interromper o crescimento. Mas isso não seria apenas impossível, seria também insuficiente. 

Nas últimas três décadas, as emissões de CO2 por unidade de produção mundial têm caído a um ritmo um pouco abaixo de 2% ao ano. Se isso continuar e a produção mundial estagnar, as emissões globais cairiam 40% até 2050 – de longe muito pouco. Depender de reduções reais na produção para cortar as emissões em, digamos, 95% até 2050 exigiria uma queda na produção mundial de 90%, o que levaria a produção mundial per capita de volta aos níveis de 1870. 

As conclusões são simples. Não vamos parar de depender dos combustíveis fósseis aos escolher o empobrecimento universal. Mas também não podemos parar de usá- los rápido o suficiente com nossa taxa atual extremamente lenta de redução de emissões por unidade de produção. Portanto, precisamos acelerar maciçamente o progresso tecnológico para abandonar a queima de combustíveis fósseis. Devemos ir além dela quase completamente. Se conseguirmos isso, o tamanho da nossa economia deixará de ser o problema: por maior que se torne, deixará de emitir gases de efeito estufa. Mas observe: para alcançar isso em 2050, a taxa de redução de emissões por unidade de produção precisa dar um salto massivo. 

Isso é realizável? Do ponto de vista tecnológico, parece que sim. Ou, pelo menos, é o que argumenta a Comissão de Transições de Energia em vários relatórios importantes. As ideias essenciais são simples. O núcleo do novo sistema de energia é a eletricidade gerada por meios renováveis (solar e eólica) e a energia nuclear. Isso precisa ter o apoio de uma variedade de sistemas de armazenamento (baterias, energia hidroelétrica, hidrogênio e gás natural, com captura e armazenamento de carbono). As reduções de custos já foram grandes o suficiente e o progresso tecnológico rápido o suficiente para viabilizar essa transição a um custo administrável. 

De qualquer forma, isso seria uma revolução. Uma economia de carbono zero exigiria cerca de quatro a cinco vezes mais eletricidade do que a atual, todas provenientes de fontes não emissoras de carbono. Para fazer essa economia funcionar, o hidrogênio (que em grande parte é produzido por eletrólise) teria um papel essencial. O consumo de hidrogênio pode saltar para 11 vezes mais até 2050. 

Em muitos setores, os custos da descarbonização são (ou serão em breve) competitivos. No entanto, em alguns setores eles não serão. É necessário que haja incentivos e regulamentos para forçar a mudança. Para evitar o simples deslocamento da produção, em suas formas de emissões mais intensivas, para outros lugares, será essencial impor impostos compensatórios sobre as importações de jurisdições que se recusem a apoiar as mudanças necessárias. 

Suponhamos que uma transição para uma economia mundial de emissões zero até 2050 seja mesmo factível tecnicamente. Isso não significa que é provável que ela aconteça como resultado de forças puramente econômicas. Por duas razões principais. A primeira é que as vantagens em termos de custos das alternativas descarbonizadas são modestas, na melhor das hipóteses, em muitas áreas. Essas alternativas não estão perto (pelo menos ainda não) de serem tecnologias dominantes em todas as áreas relevantes. A segunda é que sempre há uma grande inércia na transferência para novas tecnologias, especialmente em áreas onde métodos e sistemas familiares devem ser substituídos por outros completamente novos. 

Sabemos muito bem como administrar uma economia baseada em combustíveis fósseis de maneira eficiente e em larga escala. Uma economia eficiente com base em energia inteiramente renovável é terreno desconhecido. 

transição mundial de sistemas desta escala não ocorrerá por si mesma. Ela exigirá intervenções políticas em larga escala, por meio de uma mistura de regulamentação, incentivos e pesquisa e desenvolvimento com apoio governamental. Exigirá cooperação mundial e o reconhecimento claro das posições muito diferentes – em termos de comportamento passado, responsabilidade atual e necessidades futuras – dos países do mundo. Serão necessárias mudanças nas finanças e na contabilidade. Em suma, será necessário um esforço mundial histórico de um tipo que nunca vimos antes para evitar um perigo que ainda parece remoto para a vasta maioria dos seres humanos. 

Isso precisa ser feito. Mas será? Thunberg teme nossa inação. Trump é uma das razões pelas quais ela tem razão no seu receio. Temos tanto que fazer e tão pouco tempo. Se quisermos ter sucesso em parar as mudanças climáticas, precisamos mudar de rumo agora. 

 Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT 

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/ultima-chance-para-a-transicao-climatica.ghtml

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