Suno AI, o ChatGPT da música, ameaça a artistas e produtores fonográficos?

Nos últimos dois anos vimos as inteligências artificiais (IAs) generativas darem um salto assustador de qualidade e verossimilhança na geração de textos, imagens e vídeos, ainda que seus problemas com dedos humanos e desinformação continuem existindo. Na área da música, contudo, o avanço das IAs parecia tímido, com praticamente nenhuma empresa se destacando na área – até o surgimento da Suno AI.

Com sua versão 3 lançada no dia 21 de março, a plataforma causou espanto ao conseguir gerar músicas completas gratuitamente, com melodia, letra e arranjo, a partir de poucas linhas de texto. Basta pedir ao serviço que, em questão de um ou dois minutos, a IA cospe uma música pronta: de um eurodance anos 2000 envolvendo uma corrida mineira ao banheiro a um reggae inspirado no discurso de Martin Luther King.

Como em qualquer IA generativa, o segredo é saber pedir corretamente o que você quer. Mas o princípio básico do serviço é pedir ritmo, instrumentos, temas, gêneros musicais e sentimentos que você quer ouvir em sua música e a ferramenta dá um jeito de combinar todos os componentes, por mais incompatíveis que eles sejam. Embora a ferramenta lide bem com a língua portuguesa, se você não determinar o sotaque do cantor, ela pode misturá-lo com o de Portugal.

Há limitações, porém: provavelmente por questões ligadas à direitos autorais, a ferramenta não atende a pedidos que incluem nomes de bandas e artistas, mas consegue imitá-los se você descrever seus estilos com detalhes. O uso gratuito permite a geração de 10 músicas diárias, sendo que a cada solicitação, a ferramenta cria duas versões da mesma música. Além disso, as descrições são limitadas a 200 caracteres, exigindo um bom poder de concisão do usuário.

Embora as imperfeições da ferramenta sejam bem aparentes, com vocais que às vezes soam como robôs e algumas rimas mais pobres que outras, há inúmeros resultados impressionantes, a exemplo das músicas mais ouvidas da plataforma.

Impacto na indústria fonográfica

Se por um lado IAs generativas causam alvoroço e empolgação pela facilidade de geração de imagens, vídeos e, agora, música, por outro, há um temor, principalmente entre a classe trabalhadora, de que os artistas sejam agora substituídos pelas máquinas que “aprenderam” com base em suas obras. A Suno IA, tal como outras empresas do segmento, não revela com quais conteúdos treinou o seu serviço.

Produtor musical de longa data de bandas como Titãs, Ira! e Ultraje a Rigor, Pena Schmidt acompanhou muitas transformações da indústria fonográfica no Brasil ao longo de seus 50 anos de carreira. “Eu já vi esse mesmo momento acontecer, dez, quinze vezes na minha vida”, conta. “De ferramentas que prometem virar a música de cabeça para baixo. Teclados com som de cordas, piano, saxofone, metais, que iriam substituir as orquestras. Baterias eletrônicas, instrumentos sampleados, o que você quiser”. Nada disso aconteceu. Para Schmidt, essas tecnologias impulsionam a indústria da música, que se adaptou às novidades.

Mas e quanto à Suno IA? “Para mim, parece muito mais um truque de mágico de feira do que realmente um instrumento a serviço da música”, opina. “Tudo que ele faz ali já está feito. Já tem um estoque de centenas de milhões de músicas genéricas. Então não vejo problema porque, quem vai querer ouvir essas músicas?”

Para o produtor musical, que vem “brincando” com a IA nos últimos dias, o serviço pode ser útil para gerar músicas “decorativas” de fundo de lojas e restaurantes, mas não a vê como uma ferramenta e nem como uma ameaça à indústria.

Já o cantor e compositor independente Bemti, que também tem experiência no mercado audiovisual, onde a IA generativa já vem sendo aos poucos empregada, se mostra mais desconfiado. Como exemplo do impacto que IAs podem ter na música, o artista cita a canção “Tio Sam”, da cantora Pabllo Vittar, uma versão explícita de uma bossa nova de 1950. Contudo, a música, que começou a rodar pelo Twitter como meme a ponto de viralizar em outubro de 2023, nunca foi gravada pela artista: tratava-se de uma criação anônima feita por IA, emulando a voz de Pabllo Vittar. A história dá a volta e a artista acabou incorporando a música em seus shows e lives, tirando proveito da versão.

Mas e se o trabalho do músico for “roubado” por uma IA? “Precisamos entender como usar a tecnologia de maneira positiva, mas sabendo que provavelmente vai ter maneiras muito negativas também. Acho que vai ter gente ganhando dinheiro com a voz e o estilo de muitos artistas. Como vamos nos proteger disso?”, questiona Bemti.

Ambos os músicos, de diferentes gerações, no entanto, concordam que o robô nunca vai conseguir superar a sensibilidade humana. “Uma sequência de regras a máquina domina”, diz Schmidt. “A música é o contrário disso. É você criar uma surpresa atrás da outra, o inesperado, o improvável. Eu acho que a máquina está bem longe disso”, conclui.

Bemti reforça: “Tem todo um trabalho de abstração, de pensamento e de emoção que é particular das criações humanas. Acho que esse contato com coisas que não são feitas por inteligência artificial, ou pelo menos não em sua totalidade, vai acabar sendo um diferencial no futuro para quem quer esse tipo de experiência, não só no campo da música mas também em outras áreas, tipo o teatro e o cinema.”

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